Ao mesmo tempo em que Caxias conta com uma força de trabalho reconhecida nacionalmente (tendo 166,6 mil empregos formais mesmo em tempos de retração expressiva), a cidade também ocupa destaque em outro ranking bem pouco estimado no mercado. Atrás apenas de Porto Alegre, o município é o segundo do Estado com o maior número de acidentes de trabalho. No último ano, 5.297 casos foram contabilizados na cidade entre empregos formais e informais, apontam dados do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest/Serra) que envolvem desde ferimentos físicos, até lesões por esforço repetitivo e doenças psicológicas laborais.
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O significativo número é bem semelhante aos de 2014 e 2015, que também foram superior a 5 mil acidentes. Os casos de Caxias contribuíram para impulsionar a posição do Rio Grande do Sul no ranking nacional. O Estado é o terceiro do país, com quase 60 mil incidentes por ano, atrás apenas de São Paulo e Minas Gerais.
– Acredito que o elevado número de acidentes no Rio Grande do Sul se deve às características do Estado, com variantes desde polos industriais ao agronegócio. O impulso econômico, aliado aos meios de produção, que, não raras vezes, remontam à década de 1980 – senão anterior – e a desatenção a um ambiente de trabalho saudável (obrigação patronal) resultam nesta triste desqualificação – analisa o juiz Marcelo Porto, titular da 6ª Vara do Trabalho de Caxias, especializada em acidentes de trabalho.
Esta quarta-feira, em todo o mundo, é marcada pelo Dia em Memória às Vítimas de Acidentes de Trabalhos e Doenças Ocupacionais. Especialmente em um município com dados tão alarmantes, a data é um marco para reflexão sobre a gravidade do problema. Para Porto, a solução passa pela conscientização de patrão e empregado sobre suas responsabilidade:
– Muitas vezes é dado para o trabalhador um conhecimento superficial no que tange à operação de equipamento, o que não lhe permite discernir sobre os efetivos riscos aos quais se encontra exposto. É necessário, ainda, reforçar as Cipas (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) e fomentar o SIPAT (Semana Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho), a fim de que se apontem os erros e se busquem soluções no chão de fábrica. Prevenir sempre será melhor do que indenizar – resume o juiz.
Conforme Porto, o ramo metalmecânico, seguido do setor de alimentação e da construção civil, são os segmentos em que mais ocorrem acidentes de trabalho em Caxias.
Crise intensifica processos
A desaceleração na economia vem fazendo o número de ações trabalhistas crescer na cidade. Especificamente na 6ª Vara do Trabalho, que é a especializada em acidentes de trabalho, já foram recebidos 542 processos neste ano. Em todo 2015, o total foi de 1.592 demandas indenizatórias:
– A curva é ascendente, como em toda Justiça Laboral em momentos de recessão. A nossa projeção é de 1.800 processos relacionados a acidentes de trabalho até o final de 2016 – relata o juiz Marcelo Porto.
A 6ª Vara do Trabalho de Caxias, criada em 2012, conta com mais de 5 mil processos. Segundo Porto, 2,5 mil já estão arquivados, ou seja, foram solucionados.
Espera por indenização dura 13 anos
Apesar de boa parte dos acidentes de trabalho não causar grandes danos às vítimas, há ocorrências que mudam totalmente a vida do empregado. No ano passado, por exemplo, dos 5.297 acidentes de trabalho registrados em Caxias, 692 foram referentes ocorrências de maior gravidade e doenças ocupacionais específicas.
Esse foi o caso de José Aldair Machado dos Santos, 39 anos. Em outubro de 2003, ele trabalhava em uma madeireira em Caxias e, ao manusear uma plaina, teve parte da mão direita amputada pela máquina.
Na época, Santos passou por três cirurgias e teve de se adaptar a uma nova realidade. Tarefas simples do dia a dia, como escrever um bilhete e abotoar uma camisa, tiveram que ser reaprendidos.
– Só percebi a gravidade do acidente depois de um tempo, quando fui fazer os primeiros curativos. Até então a mão ficava com uma faixa, então não dava pra saber direito como seria, o que ia mudar. Foi um choque – lembra.
Mesmo o acidente tendo ocorrido há 13 anos, Santos, que atualmente é pedreiro, ainda não recebeu a indenização. Conforme seu advogado, André Ricardo Chimello, o processo está em fase de liquidação de sentença, aguardando a venda de bens da empresa.
O laudo do Ministério do Trabalho apontou que o acidente de Santos ocorreu por culpa exclusiva da empresa e conta com observações como funcionamento irregular da máquina e falta de treinamento do funcionário. Chimello, que é especializado na área de acidente de trabalho, conta que o perfil dos acidentes tem mudado:
– Na década de 1970, o acidente mais típico era esse com lesões, como o do Santos. Em 1980, o mais comum era a Pair (perda auditiva induzida por ruído) e, em 1990, o destaque era para Ler/Dort (Lesões por Esforços Repetitivos e Distúrbios Osteo musculares Relacionados ao Trabalho). Agora, cada vez mais, notamos um aumento nas doenças mentais relacionados a stress e pressão do trabalho.
Dia Mundial em Memória às Vítimas
Caxias registra mais de 5 mil acidentes de trabalho por ano
Cidade é a 2ª do Estado com maior número de casos
Ana Demoliner
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