Quero começar te dizendo que eu amo a minha casa, meu lar, e que a cozinha é de fato minha parte favorita dela. É lá que eu, minha namorada e nossas amigas, amigos e família nos divertimos mais. Além disso, cozinhar é um prazer pra mim, e sim, tu tens razão, a gente sabe muito bem o preço da feira. Eu e minha namorada, por exemplo, somos professoras e artistas e, como o senhor deve saber, são profissões bem pouco valorizadas financeiramente aqui no nosso país, então, realmente fazer supermercado é uma tarefa bem difícil. Para além de fórmulas econômicas é preciso criatividade, garanto. Eu e minha namorada sabemos bem disso. Infelizmente ainda não posso pagar a conta da luz com um sarau na RGE, mas bem, o mundo tá longe de ser perfeito, não é?
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Quero te dizer também, Michel, que, assim como o senhor, sou poeta, apesar de achar que sou melhor contista. Sou escritora e hoje estou em Macau. Ótimo, não? A literatura me deu várias oportunidades na vida, Michel. Além de conhecer o mundo metaforicamente, como existência mesmo, sabe, ando conhecendo o mundo de verdade, físico. Morei na França por conta de uma bolsa de doutorado-sanduíche, fiz pesquisa sobre literatura e cidade, Michel, e hoje estou aqui em Macau por um convite. Porque ganhei um prêmio nacional por um livro que escrevi. Um livro sobre mulheres, sabe? Um livro protagonizado por mulheres, mulheres lésbicas. Nesse livro elas fazem coisas de mulher, sabe? Como na vida mesmo. Acordam, trabalham, se divertem, pensam, agem, pensam, vão ao supermercado, vão à luta... Mas se não fossem as bolsas de estudo que tive, Michel, o mérito não teria me ajudado, sabe? Eu não estaria aqui, talvez não tivesse escrito nenhum livro. Tenho três, pro senhor saber. E com certeza eu não seria doutora. Hoje, estudada na literatura, Michel, posso até dizer com estofo que o senhor é um poeta horrível. Falta de originalidade, rimas preguiçosas, metáforas gastas, poesia fedida que morreu de velha, desculpe a honestidade, mas o senhor já leu Angélica Freitas, Marília Garcia, Luci Collin, Bruna Beber, Ana Cristina, quem sabe, poesia mais viva, conhece? Posso indicar contistas e romancistas também, além de teóricas e críticas, quem sabe assim o senhor não amplia seus horizontes. Aproveito para dizer que o senhor poderia fazer o mesmo a respeito da política, pergunte a alguém que entenda, não é feio pedir ajuda quando se está perdido, sabe? Entender a diferença entre política e politicagem, essas coisas banais e imprescindíveis. Digo isso, porque seu discurso no dia da mulher foi horrendo, Michel, o senhor poderia ter se preparado melhor, francamente. Se não como homem de Estado, ao menos como poeta. Poderia, não é? Prepare-se um pouco mais na próxima vez. Se quiser conheço muitas oficinas de escrita, ajudam a pensar na vida, sabe?
Opinião
Natalia Borges Polesso: caro Michel,
Tenho amigas, professoras, economistas, doutoras, metalúrgicas e microbiologistas
Natalia Borges Polesso
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