Corria o ano de 1986 quando um jovem estudante de Jornalismo viu numa revista um anúncio conclamando poetas de todo o Brasil a enviarem textos para uma seleção da editora Shogun Arte. Os selecionados fariam parte de uma antologia e pagariam Cz$ 120 para receber 10 exemplares da obra. Resolveu arriscar, enviou um poema intitulado Revolta e viu seu nome estampar, junto a sete dezenas de outros, a capa do livro Poetas Brasileiros de Hoje 1986. Só muito tempo depois, já com a carreira de escritor consolidada, é que aquele jovem, Paulo Ricardo Ribeiro, descobriu que sua estreia literária tinha a mão de ninguém menos que o na época desconhecido Paulo Coelho, então proprietário da Shogun e que no ano seguinte lançaria o best-seller O Diário de um Mago:
– O Paulo Coelho foi meu primeiro editor – brinca.
Leia mais
Nivaldo Pereira: louvação a Virgem
Embora o primeiro livro solo de Paulo – o Ribeiro, não o Coelho – só tenha sido lançado três anos depois, o agora professor de Jornalismo considera 1986 como o marco inicial da sua carreira nas letras, comemorando neste ano de 2016 três décadas como escritor. Para festejar em grande estilo, está com três livros novos prontos. O primeiro, o volume de contos Bagorra, terá lançamento no dia 1º de outubro; Bonjeanas, de crônicas, sai até o final do ano; e Viva Simão Bacamarte, contos, está em análise por duas editoras.
Todos foram escritos nos últimos oito meses, após um hiato de quase dois anos da última publicação, O Passo do Socorro, de 2014. Essas obras vão se somar às 14 já publicadas, entre romances, novelas, contos, crônicas, prosa poética, ensaio e romance-reportagem, incluindo o ebook O Cabelo de Dalila, de 2014 (e sem contar as participações em antologias, como aquela de 1986).
Olhando assim, parece que o caminho do escritor nascido em Bom Jesus e radicado em Caxias do Sul foi fácil. Não foi. Ter sido editado pelo Mago, 30 anos atrás, não trouxe outro dividendo que não a alegria de ver um poema impresso. Um ano depois, recém-formado e com 26 anos, Paulo Ribeiro embarcou para Toulouse, na França, tentar um mestrado. As coisas não correram como esperava, mas foi o empurrão que faltava para iniciar para valer a carreira de escritor.
Jogador de futebol
Na França, não conseguiu ingressar no curso desejado, e o dinheiro durou apenas oito meses. Não sabia sequer como voltaria para o Brasil. Um amigo deu uma sugestão salvadora: o time de futebol local, o Toulouse, estava fazendo testes para jogadores. Por que ele não tentava? Afinal, era brasileiro... Inicialmente, Paulo topou, mas no dia do teste, voltou atrás:
– Amarelei. Eu não estava em forma, e não tinha ido para lá para ser jogador.
Estava de volta ao ponto inicial, vivendo praticamente de pão e café. Mas também não queria voltar de mãos vazias. Foi quando pensou em escrever um livro sobre a experiência, e, graças à ajuda de um casal de amigos franceses, que o ajudou a se manter no período, passou os quatro meses seguintes debruçado sobre a escrita de Glaucha, seu primeiro romance, uma mescla de realidade e ficção que se passa entre Toulouse e Porto Alegre. Em 1989, já de volta ao Brasil e trabalhando como setorista de esporte no Diário do Sul, conseguiu publicar o livro pela Sulina, que recém havia lançado Catatau, de Paulo Leminski:
– Era o auge da pós-modernidade, e meu livro era experimental, tinha um pouco de tudo, teatro, foto, até troca de mensagens por computador, algo inédito na época.
O livro saiu em grande estilo, com tiragem de 4 mil exemplares e lançamento até em São Paulo. Moacyr Scliar publicou uma nota em Zero Hora falando do novo talento que surgia. Mas uma enchente, em 1990, atingiu a Sulina e levou 2 mil exemplares do estoque.
– Sempre digo que o (rio) Guaíba é meu maior leitor – consola-se Paulo.
Balanço
O experimentalismo de – Sou escritor, apenas.
De origem humilde, procura em suas obras dar voz aos menos favorecidos e retratar as figuras humanas marcadas em sua memória:
– Em Bagorra, por exemplo, um dos contos é sobre as lavadeiras de Bom Jesus, lavando roupas nos rios gelados – conta.
Indagado sobre como avalia esses 30 anos da carreira, Paulo a considera meio paradoxal, com um sentimento de muitos acertos e erros:
– Tenho um projeto literário e consegui o que chamo de "reconhecimento de estima", o (Jayme) Paviani gosta do que escrevo, o Vítor Ramil é meu leitor e até recebi um e-mail do Chico Buarque dizendo que se divertiu com meu livro-palíndromo (O Tal Eros Só: Osso Relato, de 2010). Mas cometi um erro estratégico, porque os gaúchos não se destacam, a não ser que forem para fora.
Ele conta que até tentou ir para São Paulo, logo no início, mas acabou optando por voltar e fazer mestrado e doutorado em Letras na UFRGS. Hoje, o Paulo-escritor convive com o Paulo-professor, que ensina produção textual com o mesmo rigor aplicado aos próprios textos. E embora seu nome não seja tão conhecido quanto o de seu homônimo e primeiro editor, resiste na sua literatura. Tanto que os novos livros ainda nem saíram e ele já está na metade da escrita do 18º Ano que vem tem mais.
Títulos
Glaucha, livro e personagem, foram nomeados numa referência ao cineasta Glauber Rocha, ídolo da amiga francesa do autor, Albani, que o ajudou enquanto ele escrevia o romance. Já Bagorra, próximo lançamento, tem o nome de um dos personagens da obra.
Livros x clube
Até ir para a França, Paulo Ribeiro não pensava em ser escritor, embora na adolescência já desse mostras de amor às letras: era comum recusar convites de amigos para ir ao clube _ isso em plena era da discoteca _ para ficar em casa lendo Guimarães Rosa, Vinícius de Morais e Jorge Amado.
Homenagens
Paulo Ribeiro foi duas vezes patrono da Feira do Livro de sua cidade natal, Bom Jesus, em 1993 e 2003, também patrono da Feira do Livro de Caxias do sul, em 2007.