Marco Ricca esteve no Festival de Cinema de Gramado para apresentar o filme As Duas Irenes (no qual, aliás, entrega uma atuação cheia de nuances), mas a coluna não poderia deixar de repercutir o impactante personagem que ele interpreta na série Os Dias Eram Assim, no ar pela Globo. Ricca avalia o delegado Amaral como “um escroto” e confessa que chegou a pensar em desistir do trabalho ao perceber que as pessoas estavam confundindo a mensagem que a série quer passar.
– Num primeiro momento, eu me assustei muito porque as pessoas falavam na rua “tô adorando esse delegado Amaral, tá ótimo, tem que ter um cara assim hoje”. A sociedade está vivendo um momento histórico muito difícil, onde as pessoas estão preferindo a volta de um momento obscuro e terrível, querendo ressuscitar esses vermes que estão por aí ainda espalhados... e tem novos vindo. Há um grande espaço numa sociedade que está amedrontada e que acha que precisa de um salvador da pátria. É assim que a gente cria os piores estados totalitários do mundo. Eu fiquei muito abismado, mas a dramaturgia tem isso, as pessoas sabem que o cara é escroto, mas gostam. Cheguei a pensar em sair da série. Pensei “estamos indo para ao lado errado, a gente não está denunciando nada, a gente está estimulando”. Fiquei muito preocupado.
Assunto recorrente em praticamente todos os debates de filmes em Gramado, o atual momento político do país também foi comentado por Ricca.
– Estamos tendo, sim, retrocessos que eu pensei que nunca mais iam acontecer (...). Esses caras que estão tomando conta do país, se pudessem, fechavam o Ministério da Cultura, eles tentaram, inclusive. Por eles, acabariam com o cinema, mandavam matar esses atores vagabundos, diretores de cinema que só falam mal deles, e eles continuariam a serviço de quem lhes serve. Espero que esse período obscuríssimo acabe rapidamente para que a gente possa escolher de novo alguém. E ao invés de a gente pensar em ir embora, a gente tem que pedir para essas pessoas irem embora daqui.