Enquanto esperava a contagem regressiva para o acendimento das luzes natalinas na Praça Dante Alighieri, coração de Caxias do Sul, veio-me à mente uma antiga história envolvendo meu pai e aquele local. Foi por ocasião da primeira visita de seu Enoque à cidade, no verão de 1998, mas só fiquei sabendo do caso anos depois, na Bahia, no quintal da casa da minha avó. Diante de uma moita de flores alaranjadas, ela comentou: “Esses são os cravos Caxias, que Enoque trouxe as sementes”. Fiquei intrigado. Que sementes? Que cravo Caxias?
Apurei a história em casa: quando em Caxias, a caminho da missa na catedral, o agricultor de nascença viu uns cravos diferentes num canteiro, alguns já meio secos, e experimentou guardar um bulbo com sementes no bolso para ver se “pegava” nos jardins de dona Loura, minha mãe, que não viera junto. E foi assim que aquela flor da Praça Dante foi germinar no interior baiano. E se espalhou para outros jardins domésticos, nas partilhas de minha mãe com a vizinhança, até minha avó Milu a batizar de “cravo Caxias”. E eu sem nada saber dessa sintonia floral entre minha origem e a cidade onde escolhera viver!
Quase na hora de as luzes se acenderem, reparei que o nome do festival natalino, Magia dos Encontros, parecia abarcar a relação que eu traçava ali entre a praça e meu pai, entre Caxias e a Bahia. Porque só podia ter sido por alguma conexão mágica a iluminação da praça ter ficado a cargo da empresa Bahia Visual, criada pelos amigos Jofre Bonito e Sérgio Pereira, este filho de seu Enoque e meu irmão. Achei incrível quando Sérgio me contou que sua empresa, entre muitos trabalhos pelo Brasil, tinha sido escolhida para decorar a Praça Dante pelo consórcio Luz de Caxias do Sul, patrocinador principal do evento. Eita mundo pequeno!
Eu passara pela praça dias antes e vira a equipe de engenheiro e técnicos montando a iluminação previamente planejada. Conversei com alguns deles. O tempo estava feio. Todos de capas de chuva, aproveitavam cada breve estiagem. Comentaram do frio e da cerração, opostos ao calor baiano, e do medo que sentiram na chegada, quando o avião não conseguira pousar em Caxias e precisaram descer em Florianópolis. Mas estavam adorando a cidade, elogiaram as ruas largas e as quadras simétricas, a receptividade das pessoas, o pouco uso das buzinas no trânsito e a ótima comida – especialmente os pratos A La Minuta, que não conheciam.
Trabalho feito, chegou, enfim, a hora esperada: quatro, três, dois, um... e a praça exaltou-se em luzes! Gritos e aplausos aumentaram a pura emoção do momento. Eu, que estivera a lembrar do meu pai pela história do cravo, fiquei comovido por também imaginar o orgulho que ele sentiria diante daquele espetáculo luminoso que trazia as digitais de um filho seu. Seria quase como se o próprio velho baiano estivesse retribuindo em luzes a flor dourada cujas sementes um dia levara no bolso. Aliás, como ele agora habita o mundo espiritual, quem haverá de dizer que não tenha participado daquela magia natalina?
Ainda sob o brilho das luzes que me tocaram tão de perto, constatei que o tempo — ou a ordem oculta na sucessão das coisas — parece sempre corrigir os desatinos humanos. Num ano que começou com agressões preconceituosas a trabalhadores baianos, é alentador chegar ao fim do mesmo ano vendo o coração de Caxias do Sul iluminado pelo trabalho de outros baianos. Mais uma magia natalina? Bem pode ser, nesse tempo em que a divina paz insiste em se derramar sobre os homens de boa vontade.