Todo fim de ano é meio parecido. As pessoas parecem estar mais aceleradas, as lojas cheias, a decoração de Natal cada vez mais decadente e uma velha angústia nos visita. Não sei bem se é por conta de um fim de ciclo, se porque as contas nunca se encerram mesmo ou se é porque vamos estar em família. Sim, família é tudo de bom, tem alguns tios bacanas, que talvez só sejam queridos mesmo porque moram longe e nos vemos apenas de vez em quando, os avós amados, mas que infelizmente já não se consegue conversar muito porque a velhice lhes roubou a audição, a memória e a vivacidade de pensamento, e então, as conversas se tornam truncadas e alguns primos, que resistindo bravamente a passagem do tempo ainda guardam algo de semelhante conosco. De resto, família é angústia, é discussão, sofrimento, intolerância e um bando de gente estranha.
Você nunca sentiu que não pertencia a sua família? Que caiu de paraquedas bem no meio de pessoas que são tão diferentes? Me lembro de algumas expressões do tipo, a cegonha errou de família,nasci do ovo errado, ovelha negra e outras que me remetem a um filme italiano delicioso chamado Parente é serpente, do diretor Mario Monicelli. O filme é de 1992, mas atualíssimo.
Sim, a vida em família pode ser agradável e gratificante. Afinal, somos todos do mesmo sangue e só por isso já é possível vislumbrar uma intimidade. A família nos dá identidade, sentimento de pertença, ensina o amor e a amizade. Provavelmente nasça desses sentimentos as ideias de Deus, pátria e família. Enfim.
O filme de Monicelli é uma comédia negra, demolidora, que trata da velhice, família, solidão, homossexualidade, ressentimentos e segredos, coisas que toda e qualquer família que se preste tem. De repente essas coisas todas vêm para fora e justamente no período do Natal. O filme tem uma mama italiana e espaçosa e um pai esclerosado, porém ambos alegres e divertidos. A bomba estoura quando, durante o almoço natalino, a matriarca avisa aos filhos que como os pais estão velhos e não podem mais viver sozinhos, decidiram ir morar com um dos filhos e cabe a eles escolherem com quem os dois idosos irão viver dali para frente.
Você já deve imaginar como isso tudo termina, porque é muito parecido com o que ocorre em nossas casas, longe das redes sociais, dentro da verdadeira intimidade. O fim poderia ser outro? Não do filme, mas da nossa relação com a família? Penso que sim, principalmente se partirmos da necessidade de desidealização do que venha a ser viver em família.
Nenhuma família é perfeita, porque não somos perfeitos. Talvez esteja aí a chave principal para se poder conviver com as festas de fim de ano sem tanta angústia, aceitando que todos somos seres humanos, imperfeitos. E que se os parentes são serpentes nós haveríamos de ser o quê?