Colocada no centro da polêmica com a reviravolta no caso JBS, a delação premiada suscita argumentos consistentes tanto por parte de seus defensores quanto dos que a rechaçam. O mecanismo é base das investigações da Lava-Jato. Na seção "Duas Visões", o Procurador regional da República na 4ª Região Douglas Fischer acredita que o meio de investigação é eficiente e que precisa ser fortalecido (leia abaixo). No outro texto, o advogado criminalista e procurador de Justiça aposentado Cezar Bitencourt afirma que a delação virou o "negócio da China", um verdadeiro incentivo à corrupção.
A Lei 12.850/2013 criou um instrumento essencial para investigações e obtenção de provas de crimes cometidos por organizações criminosas: a colaboração premiada. Sem a revelação de fatos por integrantes das organizações, jamais se conseguiriam provas pelos "meios tradicionais" para condenar os líderes. Os cidadãos precisam ser esclarecidos para que não sejam enganados por alguns discursos que pretendem deslegitimar esse constitucional meio de obtenção de provas de crimes gravíssimos.
Até recentemente, tentava-se convencer por repetição de dogmas vazios que as prisões eram uma forma de coagir pessoas a realizar colaborações. Aos dados: na Lava-Jato, por exemplo, 85,5% dos colaboradores estavam soltos e 14,5% estavam presos, sendo que apenas 4,5% tiveram restituição da liberdade incondicionada após a homologação dos acordos pelo Poder Judiciário. Fácil ver a fragilidade dos argumentos espalhados sem base fática.
Agora pretende-se disseminar a ideia de que eventual "rescisão" dos acordos de colaboração premiada implicaria a nulidade das provas obtidas até então. Outro grave erro.
Só se realiza acordo mediante a voluntariedade e espontaneidade do colaborador, na presença de seu advogado e com controle integral do procedimento pelo Poder Judiciário. Os acordos possuem várias cláusulas. Uma delas obriga o colaborador a falar a verdade que sabe sobre os fatos e entregar todas as provas que detiver. Outra dispõe que, se o colaborador mentir ou omitir fatos ou praticar condutas incompatíveis com o acordo, esse será rescindido. E mais uma prevê que, em caso de rescisão por culpa do colaborador, as provas produzidas são integralmente válidas e que ele poderá perder todos os benefícios ajustados. Nessa hipótese, o colaborador responderá pelos crimes investigados e, provado que imputou falsamente algum fato a terceiro, responderá ainda por crime previsto no art. 19 da Lei 12.850. Nunca demais relembrar que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu que "até mesmo em caso de revogação do acordo, o material probatório colhido em decorrência dele pode ainda assim ser utilizado contra terceiros" (Inquérito 3.979, em 27/9/2016).
Tecnicamente, só haverá anulação das provas obtidas se demonstrado que, desde o início, houve vício de vontade do colaborador, que tenha ele sido obrigado a colaborar contra sua vontade, mas não em caso de rescisão por descumprimento por sua culpa.
Por intermédio das investigações iniciadas a partir de colaborações premiadas, foi possível, em pouco tempo, repatriar ao Brasil mais de R$ 750 milhões enviados ilicitamente ao Exterior, bloquear bens e valores de R$ 3,2 bilhões e ter como perspectiva de recuperação de, pelo menos até o momento, mais R$ 10,3 bilhões. Todo esse dinheiro está sendo e será devolvido a quem pertence: à sociedade. Nunca antes na história, foi possível aprofundar investigações e obter resultados tão relevantes.
O enfraquecimento desse moderno instituto só beneficiará os criminosos que querem abrigo na impunidade. É preciso defender e fortalecer esse eficiente meio de investigação, já que a colaboração premiada, controlada pelo Poder Judiciário, não viola o devido processo legal e não prejudica os honestos.