As articulações a portas fechadas por uma abrangente anistia do caixa 2 no projeto das Dez Medidas Anticorrupção (PL 4850/16) evidenciam não apenas o instinto de autopreservação de parlamentares comprometidos com práticas pouco republicanas como também a predominância no Congresso de um corporativismo destoante dos interesses da sociedade brasileiras. A operação-abafa ganha maior contorno de imoralidade no momento em que se anuncia que a delação premiada da empreiteira Odebrecht, prestes a ser divulgada, menciona mais de uma centena de políticos, entre os quais ocupantes de cargos importantes no Executivo e no Legislativo.
É visível o desconforto da maioria dos parlamentares, que passaram as últimas horas manobrando para fragilizar o pacote anticorrupção. Vale lembrar que o projeto apresentado pelo Ministério Público resulta de uma iniciativa popular apoiada por mais de 2 milhões de cidadãos brasileiros. A proposta inicial tinha dez medidas. Depois de muito debate com especialistas, o relator Onyx Lorenzoni (DEM/RS) ampliou-as para 18, mas acabou reduzindo para 12 após acirrados debates na comissão especial criada para se discutir o assunto. Dois pontos geraram as maiores polêmicas: o caixa 2, que é a doação oculta e ilegal para campanhas eleitorais, e a punição de juízes e promotores por crime de responsabilidade. Por pressão dos procuradores da Lava-Jato, o relator retirou o segundo ponto, mas os líderes dos principais partidos querem ressuscitá-lo na votação do plenário, programada para a próxima semana. O objetivo não declarado, mas explícito para qualquer observador isento, é constranger os investigadores.
Ainda não há clareza sobre as alterações que os líderes dos principais partidos pretendem fazer no projeto, com a anuência do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ). Mas uma minuta de artigo vazada ontem não deixa dúvidas sobre a intenção dos articuladores. Diz: "Não será punível nas esferas penal, civil e eleitoral doação contabilizada, não contabilizada ou não declarada, omitida ou ocultada de bens, valores ou serviços, para financiamento de atividade político-partidária ou eleitoral realizada até a data da publicação desta Lei".
Se prosperar tal redação, estará configurada uma vergonhosa autoanistia para o crime de utilização de dinheiro obscuro em campanhas eleitorais. O salvo-conduto para os sonegadores da transparência fragilizará a Operação Lava-Jato e destruirá de vez a esperança da população nos seus efeitos moralizadores sobre a política e a administração pública.