No último domingo, o Brasil foi surpreendido não só com a morte de Belchior, mas com a notícia de que ele morava em Santa Cruz do Sul. Recluso, durante anos o cantor e a mulher, Edna, peregrinaram por várias cidades e diferentes pontos de moradia. Por onde andou Belchior? Como viveu seus derradeiros anos? Esta foi a missão dada à repórter Juliana Bublitz e ao fotógrafo Carlos Macedo. De terça a sexta-feira, eles andaram 735 quilômetros pelo Vale do Rio Pardo para reconstruir os últimos passos do compositor e cantor cearense.
– Nossa primeira parada foi o Mosteiro da Santíssima Trindade, no distrito de Rio Pardinho. As monjas beneditinas nos receberam e confirmaram que haviam acolhido Belchior. Foi necessário respeitar o tempo delas para concluir a entrevista, regada a suco de laranja e bergamota do pomar, feito na hora. Voltamos lá outras duas vezes. Na última, na quarta-feira, fomos convidados a assistir à missa conduzida pelo bispo emérito de Santa Cruz, dom Sinésio Bohn, 82 anos, o que acabou rendendo uma bênção especial à equipe de reportagem de ZH e mais uma história para contar, já que o próprio dom Sinésio também esteve com o músico cearense, a quem definiu como "um gentleman" – conta Juliana.
Ao longo dos quatro dias, levada pelo motorista Laércio Guterrez, a equipe circulou por estradas de chão batido, visitou uma comunidade alternativa por onde o artista passou, esteve na última residência onde ele viveu com a mulher e foi até Passa Sete, a cem quilômetros de Santa Cruz, conhecer uma chácara onde Belchior esteve hospedado por um mês.
– Descobrimos recordações que deixou pelo caminho, como um pijama surrado, bilhetes escritos de próprio punho e alguns LPs autografados. Ouvimos histórias que teriam tudo para virar filme. Foi muito interessante ouvir as pessoas e perceber que todas elas eram, acima de tudo, fãs do cantor. Viveram aqueles anos em que clássicos como Alucinação, de 1976, explodiram nas paradas de sucesso. Por isso, não só abriram suas portas como aceitaram bancar as despesas do ídolo e de sua companheira. Foi essa rede de amigos que garantiu o anonimato do músico por tanto tempo – conclui Juliana.
Na reportagem que começa na página 26 desta edição, os leitores poderão ler detalhes sobre como Belchior se comportava e que caminhos trilhou no Vale do Rio Pardo. Também poderão entender, pelo menos de forma parcial, já que muito se perdeu com a sua partida, os motivos que o levaram à reclusão.
O assunto segue no caderno DOC: em dois artigos que se complementam, tentamos situar o leitor diante do legado de Belchior. No primeiro deles, a pesquisadora e professora de Linguística Josely Teixeira Carlos, que é cearense, vive no RS e tem uma vida acadêmica inteira dedicada a Belchior (fez mestrado e doutorado sobre ele), defende que não há, entre os artistas da música popular brasileira, autor que melhor dialogue com a tradição literária brasileira e mundial. Josely ainda sugere que é hora de redescobrir, ou melhor, "(re)ler", para usar uma expressão sua, seu trabalho a partir das canções menos conhecidas – às vezes tão ricas quanto os clássicos. No outro artigo, o jornalista Juarez Fonseca, crítico musical e colunista de ZH, relembra uma entrevista reveladora que fez com o cantor e que foi publicada em Zero Hora em 1977, na qual Belchior escancara as angústias próprias do artista mas, paradoxalmente, sua sede de vida – ele chega a falar em querer viver até os 120 anos na conversa. Essa entrevista histórica está disponível, na íntegra, no site de ZH.
E, no caderno Vida, explicamos o que é a dissecção da aorta, que vitimou o cantor durante o sono e causou apreensão entre os leitores. Os cardiologistas Orlando Belmonte Wender, do Hospital Moinhos de Vento, e Fernando Lucchese, do Hospital São Francisco, explicaram ao repórter Guilherme Justino que a ruptura de uma das paredes da maior artéria do corpo humano pode mesmo chegar de repente e sem dar sinais. Mas é possível evitá-la e, com atendimento rápido e adequado, revertê-la – caso do músico gaúcho Luiz Carlos Borges, que sobreviveu ao problema há 14 anos e hoje leva uma vida normal.