Centenas de milhares de bengaleses protestaram no domingo (4) para exigir a renúncia da primeira-ministra Sheikh Hasina, em um dos dias mais violentos desde o início da mobilização, com um balanço de pelo menos 77 mortos.
As manifestações, que começaram em junho para denunciar as politizadas cotas de admissão a cargos públicos, viraram os piores distúrbios enfrentados por Hasina em 15 anos de poder.
Ao menos 77 pessoas morreram no domingo em confrontos entre manifestantes e simpatizantes do governo, segundo fontes policiais e médicas, o que eleva a pelo menos 283 o número de mortos desde julho.
Entre os mortos neste domingo estão "pelo menos 14 policiais", afirmou o porta-voz da força de segurança, Kamrul Ahsan, que também citou 300 agentes feridos.
"A terrível violência em Bangladesh deve cessar. Temo muito que novas perdas humanas e mais destruição sejam registradas", disse o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, em um comunicado neste domingo.
A polícia afirmou que manifestantes atacaram seus agentes e uma delegacia na cidade de Enayetpur, nordeste do país.
— Os terroristas atacaram a delegacia e mataram 11 policiais — declarou o vice-general Bijoy Basak.
Correspondentes da AFP afirmaram que durante o anoitecer foram ouvidos tiros de armas de fogo, enquanto os manifestantes desafiavam o toque de recolher imposto em todo o país. O acesso à internet móvel continua severamente limitado.
Residência oficial da primeira-ministra é invadida
Milhares de manifestantes invadiram a residência oficial da primeira-ministra na capital Daca, segundo imagens exibidas da televisão, depois que uma fonte do governo informou à AFP que Sheikh Hasina fugiu para um "local mais seguro".
As imagens do Channel 24 mostram uma multidão entrando na residência de Hasina e acenando para as câmeras.
"Viver livremente"
As tropas restabeleceram a ordem por alguns dias, mas a multidão retornou às ruas em agosto, com a intenção de paralisar o governo.
Milhares de pessoas, muitas armadas com pedaços de pau, lotaram neste domingo a praça Shahbagh, no centro de Daca, e foram registrados confrontos nas ruas em diversos pontos da capital, assim como em outras cidades importantes do país, informou a polícia.
— Houve confrontos entre estudantes e homens do partido governista — declarou à AFP o chefe de polícia Al Helal.
Outro agente, que pediu para não ser identificado, declarou que Daca virou um "campo de batalha".
Em vários casos, os soldados e a polícia não atuaram para conter os protestos, ao contrário das manifestações do mês passado, que resultaram em repressões brutais.
Um ex-comandante do Exército exigiu que o governo retirasse as tropas e permitisse os protestos, o que representa uma repreensão simbólica a Hasina.
— Pedimos ao governo em exercício que retire imediatamente as Forças Armadas das ruas — disse Ikbal Karim Bhuiyan neste domingo, em uma declaração conjunta com outros ex-oficiais de alta patente, que condena os "assassinatos atrozes, torturas, desaparecimentos e detenções em larga escala".
As manifestações começaram com uma mobilização de estudantes contra uma norma que permite aos filhos dos veteranos de guerra um acesso mais fácil aos empregos públicos, regra que foi atenuada pelo Supremo Tribunal, mas não anulada.
— Mas a questão não é mais sobre cotas de emprego. O que queremos é que a próxima geração possa viver livremente no país — disse Sakhawat, uma jovem manifestante que não revelou o sobrenome e chamou Hasina de "assassina".
Sheikh Hasina, 76 anos, governa o país desde 2009 e venceu as eleições pela quarta vez consecutiva em janeiro, uma votação que não teve uma oposição real.
Grupos de defesa dos direitos humanos acusam o governo de utilizar indevidamente as instituições do Estado para permanecer no poder e acabar com a oposição, inclusive por meio de execuções extrajudiciais.