Comentarista da Globo News, da Folha de São Paulo e de O Globo, o sociólogo, geógrafo e jornalista Demétrio Magnoli é agudo observador do cenário político nacional e internacional. Tem livros sobre geopolítica, guerra fria, relações internacionais e até sobre história das guerras. É com base nessas experiências que, em conversa com GZH, se sente seguro para concluir:
- O Hamas fracassou nos objetivos a que se propôs com os ataques terroristas do último fim de semana.
E quais são esses objetivos? Confira aqui, nessa entrevista feita por telefone:
Qual sua opinião sobre os ataques terroristas do fim de semana? Qual o objetivo do Hamas ao realizá-los?
Daria para falar três horas sobre isso, mas tentarei ser breve. O Hamas sempre foi um grupo terrorista e fez atos terroristas antes, explosão de homens-bombas, entre outros. Só que ultrapassou sua marca histórica. São dois os objetivos da organização. Um deles é de ordem interna: reafirmar sua liderança sobre os palestinos, tentando tomar o poder na Cisjordânia, no lugar dos rivais da Autoridade Nacional Palestina (ANP). Por isso o Hamas lançou apelo a um levante armado na Cisjordânia, que não aconteceu até o momento. O outro objetivo, externo, é torpedear o acordo entre Israel e Arábia Saudita, que está sendo costurado pelos EUA. E que concluiria os Acordos de Abrahão, de Israel com diversos países árabes. Esse acordo está em risco, a depender da reação de Israel.
Existe alguma chance de interlocução entre Israel e o Hamas?
Não, não. Nenhuma chance. Quando o Hamas tomou o poder na Faixa de Gaza, em 2007, Israel tinha duas opções. Uma era tentar por todos os meios enfraquecer o poder desse grupo, por meio de negociações substanciais com a Autoridade Palestina. A outra seria tentar engajar os dois grupos em negociações de paz. Netanyahu chegou ao poder em 2009, governou de maneira quase ininterrupta até agora e escolheu uma terceira opção, impossível: segurança sem paz. Estimulou a divisão dos palestinos em dois governos rivais e sabotou negociações substanciais de paz com qualquer um deles. Os atentados de sábado revelam que ele errou, o conceito está destruído. Diálogo com o Hamas não vai existir jamais, pois o grupo matou centenas de israelenses, em geral civis. Israel quer destruir o Hamas. Isso não será por meios exclusivamente militares, é preciso ver qual estratégia adicional será adotada.
O senhor acredita que na Cisjordânia a ANP vai apoiar o Hamas ou negociar com Israel?
Segundo pesquisa do Jerusalem Media & Communications Centre, muito respeitado em Israel e que faz pesquisas com palestinos, a maioria bem larga do povo palestino é contra o terrorismo. A maioria absoluta é favorável a negociações de paz ou resistência pacífica. Tanto na Cisjordânia quanto na Faixa de Gaza. Aliás, os dois grandes partidos, Autoridade Nacional Palestina (ANP) e Hamas, são desprezados. O Hamas só tem apoio de 13%, na média. O poder desse grupo se baseia na ditadura que ele mantém na Faixa de Gaza. A impopularidade dele é ainda maior que a da ANP. É por isso que não houve levante armado na Cisjordânia. Não é possível saber o que vai acontecer nas próximas semanas, depende do que Israel fará na Faixa de Gaza. Se os israelenses devastarem esse território palestino, com milhares de mortos, as coisas podem mudar. Mas no momento o Hamas não conseguiu duas coisas que queria: o levante armado na Cisjordânia e o engajamento do Hezbollah libanês na briga, abrindo uma frente norte. O Hezbollah até promoveu algumas escaramuças, porque precisa mostrar isso para sua base, no Líbano, mas deu sinais de que não pretende abrir uma guerra contra Israel.