A Ucrânia prossegue nesta quarta-feira (7) com a retirada de milhares de moradores após a destruição parcial da represa hidrelétrica de Kakhovka, que inundou várias localidades ao longo do Rio Dnipro e que provocou uma intensa troca de acusações entre Moscou e Kiev.
O governo dos Estados Unidos afirmou que a explosão pode ter provocado várias mortes e que não é possível determinar de modo conclusivo o que aconteceu na represa, que fornece água para resfriamento da central nuclear de Zaporizhia, a maior da Europa.
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, afirmou que o ataque é "outra consequência devastadora da invasão russa à Ucrânia".
A dimensão da catástrofe "só poderá ser plenamente avaliada nos próximos dias, mas as consequências serão graves", afirmou na terça-feira, no Conselho de Segurança da ONU, o secretário para Assuntos Humanitários da organização, Martin Griffiths.
Ele também mencionou impossibilidade de enviar ajuda a milhões de pessoas afetadas, "o golpe para a produção agrícola e os riscos de contaminação por minas e artefatos explosivos" que podem ser arrastados pela água.
A China, que tenta atuar como mediador na guerra, expressou preocupação com o "impacto humano, econômico e para o meio ambiente". Também pediu às partes em conflito que respeitem o direito internacional humanitário e façam o possível para proteger os civis e as infraestruturas civis.
A Ucrânia afirmou que o ataque contra a represa, tomada pela Rússia nos primeiros dias da guerra — em fevereiro de 2022 —, foi uma tentativa de Moscou de frear a esperada ofensiva de Kiev, que, segundo o governo, não será afetada. A Rússia acusou a Ucrânia de "sabotagem deliberada".
Moradores de Kherson, a maior cidade da região, seguiram para pontos elevados após a cheia do Rio Dnipro.
— Antes eram tiros e agora temos inundação — disse Liudmila, moradora da cidade, depois de carregar uma máquina de lavar roupa em uma carroça presa a um velho automóvel soviético.
— A inundação está aqui, diante dos nossos olhos. Ninguém sabe o que pode acontecer a partir de agora — afirmou Viktor, outro morador de Kherson.
Autoridades ucranianas anunciaram que mais de 17 mil pessoas serão retiradas de 24 localidades inundadas.
"Mais de 40 mil pessoas podem estar em áreas inundadas", afirmou no Twitter o procurador-geral ucraniano, Andriy Kostin. Ele informou que mais de 25 mil moradores devem ser retirados da margem do rio ocupada pela Rússia.
A central hidrelétrica da represa também está "completamente destruída", anunciou a operadora ucraniana de energia hidrelétrica, Ukrhydroenergo.
"Bomba ambiental"
O presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, acusou a Rússia de detonar uma "bomba ambiental de destruição em massa" e afirmou que até 80 localidades seriam inundadas.
"Este crime provoca enormes ameaças e terá graves consequências para a vida das pessoas e o meio ambiente", afirmou Zelensky. Ele disse ainda que a explosão aconteceu às 2h50min de terça-feira (20h50min de Brasília, segunda-feira).
A Rússia respondeu e pediu uma "condenação às ações criminosas das autoridades ucranianas, que são cada vez mais desumanas e representam uma grave ameaça para a segurança regional e global".
Em outubro do ano passado, Zelensky acusou a Rússia de instalar minas na represa e advertiu que a destruição da barragem provocaria uma nova onda de refugiados na Europa.
No aspecto militar, a Ucrânia afirmou na segunda-feira que registrou progressos na região de Bakhmut, leste do país, ao mesmo tempo relativizou a dimensão das "ações ofensivas" em outras partes do front.
A Rússia alega que está impedindo ataques em larga escala, mas na terça-feira reconheceu que 71 soldados morreram nos combates dos últimos dias. Kiev afirma há meses que está preparando uma grande ofensiva para forçar uma retirada das tropas de Moscou.
Central nuclear
A destruição parcial da represa provoca o temor de consequências para a central nuclear de Zaporizhia, que fica a 150 quilômetros de distância, porque a usina hidrelétrica de Kakhovka garante água para resfriamento do local.
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) destacou, no entanto, que "não há perigo imediato" e acrescentou que os especialistas estão monitorando a situação. O diretor da central nuclear, Yuri Chernichuk, designado pelos ocupantes russos, também afirmou que "no momento não há ameaças" para a segurança do local.
Assim como a represa, a central nuclear fica em uma área ocupada pelas forças russas desde a invasão iniciada em fevereiro de 2022.
A represa de Kakhovka, construída na década de 1950, no auge da era soviética, tem valor estratégico por fornecer água ao Canal da Crimeia do Norte, que nasce no sul da Ucrânia e atravessa toda a península da Crimeia, sob controle russo desde 2014.