O argumento de que há falecidos habilitados a votar em 4 de setembro é usado junto com outras alegações para semear a dúvida sobre uma possível fraude no plebiscito constitucional do Chile, a fim de deslegitimar a vitória do campo contrário.
A imagem de um preso desaparecido durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), por exemplo, circula nas redes sociais, assegurando que ele estaria habilitado a votar em 4 de setembro, e é usada como demonstração de uma suposta fraude que ocorrerá nesse dia.
Estas publicações são enganosas, já que os nomes dos desaparecidos no Chile constam, por lei, desde fevereiro de 2021, no registro eleitoral chileno como um "memorial cívico". Por este motivo, o Serviço Eleitoral do Chile (Servel) os inclui com o esclarecimento de que se trata de uma "pessoa ausente por desaparecimento forçado".
O Servel, organismo encarregado da organização e da fiscalização do processo eleitoral, desmentiu em suas redes sociais peças de desinformação que o apontam como parte da fraude prévia ao plebiscito.
"Surge mais um escândalo do Servel (...). Para votar, um bebê menino falecido em 1971 aos 6 meses de idade", dizem publicações que sugerem a possibilidade de que pudesse haver casos de apropriação de identidade na hora de votar.
No entanto, a equipe da AFP Factual corroborou, através de uma busca no registro eleitoral do Servel que o falecido não está habilitado a votar e o organismo esclareceu que essa pessoa constou como habilitada em 2021 porque até maio de 2022 não havia recebido seu atestado de óbito.
Andrés Tagle, titular do Serviço Eleitoral, disse à AFP que apesar da desinformação e dos questionamentos que circulam nas redes contra o Servel, só foi apresentada uma denúncia formal.
Segundo Tagle, a existência de pessoas falecidas no registro eleitoral ocorre por "falecimentos que ocorreram no exterior", e por isso o organismo não conta com o atestado de óbito, ou por "falecimentos muito antigos que o serviço de Registro Civil não incorporou a seus sistemas de informática".
Além disso, esclareceu que há procedimentos de identificação nas seções de votação que impedem a apropriação de identidade na hora de votar.
- Deslegitimar o processo -
Usuários de redes sociais também denunciaram que estrangeiros recém-chegados ao país poderão votar pelo simples fato de ter carteira de identidade chilena. Esta afirmação é falsa porque a lei chilena estabelece que um cidadão estrangeiro pode votar se for maior de 18 anos e tiver residência legal por mais de cinco anos no país.
Ao considerar a condição excepcional do voto obrigatório neste plebiscito, usuários têm assegurado que o Servel não multará os maiores de 60 anos que não forem às urnas, como uma suposta forma de desincentivar o comparecimento de pessoas da terceira idade. No entanto, isso é falso, pois todas as pessoas maiores de idade que não votarem serão multadas.
Cristian Leporati, professor de marketing político da Universidade Diego Portales do Chile, explicou à AFP que a desinformação sobre as eleições e o Servel "tenta essencialmente pôr em dúvida a entidade que finalmente certifica um processo eleitoral; é superimportante e eficaz pôr a dúvida justamente aí".
"Se o 'Aprovo' vencer, é fraude e semeia-se a dúvida porque o Servel é o inimigo, e com isso dá-se um argumento às pessoas indecisas", explica o especialista.
No período de campanha pra as eleições presidenciais de 2021, o candidato da extrema direita José Antonio Kast, que perdeu a disputa para o esquerdista Gabriel Boric, havia convidado em várias ocasiões seus apoiadores a se inscreverem como fiscalizadores de seus votos diante de uma suposta "fraude eleitoral". No entanto, Kast foi o primeiro a reconhecer a vitória e a transparência daquela eleição.
Segundo Leporati, a desinformação sobre o voto dos estrangeiros recém-chegados ao país ou de pessoas falecidas são mitos que "o que fazem finalmente é reforçar esse espírito de inimigo comum que como consequência, infelizmente, tira credibilidade do sistema, o que por fim também os atinge", disse em alusão a quem rejeita o processo e alertam para fraude no processo.
* AFP