A presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, chegou nesta terça-feira, 2, em Taipé, capital de Taiwan, em uma visita que aumentou as tensões entre EUA e China. Em resposta à visita, Pequim enviou caças ao estreito de Taiwan e prometeu responder à provocação "no campo militar". Pelosi deve se encontrar com a presidente Tsai Ing-wen na quarta-feira, 3, segundo a imprensa local. A visita é o pivô de uma crise diplomática que se arrasta por semanas e levou o presidente Xi Jinping a pedir que o americano Joe Biden não brinque com fogo com a questão taiwanesa.
Em um artigo assinado para no The Washington Post - e publicado após o desembarque em Taipé -, Pelosi justificou a viagem a Taiwan como um sinal do compromisso dos Estados Unidos com a preservação da democracia e da soberania do território frente às agressões de Pequim e do Partido Comunista Chinês - ao qual citou nominalmente.
"Em face das aceleração das agressões pelo Partido Comunista Chinês, a visita da nossa delegação parlamentar deve ser vista como uma inequívoca declaração de que a América está do lado de Taiwan, nosso parceiro democrático, enquanto defende a si mesmo e sua liberdade", escreveu Pelosi, afirmando ainda que a viagem oficial não contradiz a política externa americana para Taiwan, prevista em acordos bilaterais com a China.
Pequim prometeu medidas duras antes mesmo de Pelosi embarcar rumo à Ásia no domingo, 31 - ela já esteve em Cingapura e Malásia, e ainda deve passar por Coreia do Sul e Japão. O tema foi tratado em uma reunião de cúpula entre Joe Biden e Xi Jinping na quinta-feira, 28, quando conversaram por mais de duas horas ao telefone. De acordo com uma declaração oficial após a chamada, Pequim afirmou ter alertado Washington a não "brincar com fogo" em Taiwan.
O tom pareceu subir ainda mais nesta terça, enquanto Pelosi se dirigia à ilha. A porta-voz da diplomacia chinesa, Hua Chunying, afirmou que os EUA carregariam "a responsabilidade" pagariam "o preço" por "minar a soberania e a segurança da China", caso a parlamentar pisasse em solo taiwanês. Enquanto isso, uma declaração do ministro chinês das Relações Exteriores, Wang Yi, foi publicado no site oficial da pasta. Sem mencionar Pelosi, Yi afirmou que "o abuso de confiança dos Estados Unidos sobre a questão de Taiwan é desprezível".
De acordo com o site de monitoramento de voos Flightradar24, o avião da Força Aérea dos EUA SPAR19, em que Pelosi viaja pela Ásia, tomou o rumo de Taiwan a partir da Malásia. De acordo com o jornal estatal chinês Global Times, por volta das 22h35 (11h35em Brasília), o avião teria entrado no espaço aéreo territorial da China e de Taiwan, mas evitou uma rota de sobrevoo pelo Mar do Sul da China, optando por uma rota do Mar das Filipinas. A parlamentar pousou às 22h43 (11h43 em Brasília).
Ameaça militar chinesa
Em paralelo, forças militares chinesas realizaram novos exercícios militares nos arredores da ilha. Aviões de guerra sobrevoaram o estreito de Taiwan em uma atitude hostil na manhã desta terça, enquanto autoridades das forças navais anunciaram novos exercícios militares para os próximos dias, incluindo atividades com tiro real no Mar de Bohai, perto da península da Coreia - próximo destino de Pelosi.
Após o pouso do avião da presidente da Câmara americana, o porta-voz do Ministério da Defesa chinês, Wu Qian, afirmou que as forças armadas do país lançarão "ações militares direcionadas" em resposta. "O Exército de Libertação Popular está em alerta máximo e lançará uma série de ações militares direcionadas para combater isso, defender a soberania nacional e a integridade territorial e impedir a interferência externa e as tentativas separatistas de 'independência de Taiwan'", disse em um comunicado.
Em Taiwan, autoridades militares disseram à imprensa local que as forças de defesa da ilha reforçaram seus preparativos e que permanecem em "estado de prontidão reforçado" até o meio-dia de quinta-feira, 4.
O governo americano tentou acalmar a situação na segunda-feira, 1°. O porta-voz da Casa Branca, John Kirby, pediu que Pequim não entendesse a visita de Pelosi a Taiwan como um "pretexto de provocação", mas defendeu a visita, destacando que a ida de uma autoridade americana à ilha tem precedentes na História recente e que não mudaria o "status quo" da posição americana sobre a soberania do território.
"(O presidente Biden) deixou muito claro que o Congresso é um ramo independente do governo e a presidente Pelosi toma suas próprias decisões", disse Kirby ao se referir ao diálogo entre Biden e Xi na quinta-feira da semana passada.
Apesar disso, os americanos também reforçaram a presença militar na região durante a passagem de Pelosi. Em condição de anonimato, autoridades dos EUA confirmaram à Associated Press que navios de guerra foram deslocados na segunda-feira para o Mar das Filipinas, a leste de Taiwan.
A fotilha, formada pelo porta-aviões USS Ronald Reagan, o cruzador USS Antietam e o destróier USS Higgins, deixou Cingapura e começou a navegar em direção norte, para seu porto de origem no Japão. O USS Ronald Reagan transporta uma variedade de aeronaves, incluindo caças F/A-18 e helicópteros, bem como sofisticados sistemas de radar e outras armas.
Taiwan e a crise dos mísseis de Cuba
O efeito do discurso não parece ter surtido muito efeito no campo retórico. Além das declarações das autoridades diplomáticas chinesas, o jornal estatal Global Times comparou nesta terça-feira a visita de Pelosi a Taiwan com a Crise dos Mísseis em Cuba, em 1962.
"Está é a versão do Estreito de Taiwan (também chamado de Formosa) da Crise dos Mísseis em Cuba. Os Estados Unidos são o provocador. O mundo está observando se Pelosi vai apertar o gatilho com suas próprias mãos", escreveu o jornal nesta terça-feira, em uma publicação nas redes sociais.
Aliados mostraram um discurso afinado com Pequim. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, classificou o caso como uma "provocação", endossando a visão chinesa da viagem oficial da autoridade americana.
"Tudo relacionado com essa viagem e uma possível visita à Taiwan, claramente, é pura provocação". Isso leva a um aumento da tensão e, como vemos, todos os países do mundo estão percebendo", afirmou.
Crise no Estreito de Taiwan
O governo americano está cada vez mais preocupado com o risco de uma crise total no Estreito de Taiwan. As relações EUA-China já estão em um ponto baixo, já que as duas superpotências colidem sobre tudo, desde poder econômico até direitos humanos e influência militar, e um conflito entre China e Taiwan pode atrair outras potências, incluindo o Japão.
Após a invasão da Ucrânia pela Rússia, uma delegação não-oficial dos EUA de ex-oficiais de defesa e segurança nacional viajou para Taiwan em uma demonstração do compromisso "sólido" de Washington com a defesa da ilha.
O aumento do envolvimento entre as autoridades de Washington e Taipé levou Pequim a se preocupar com o fato de Washington ter tomado medidas para mudar o status quo. Alimentando esse sentimento, estão declarações improvisadas de Biden que se afastam da política de Washington de "ambiguidade estratégica" sobre a defesa de Taiwan. Em três ocasiões desde agosto, Biden sugeriu que os Estados Unidos defenderiam Taiwan militarmente se atacados pela China. "Sim", disse ele em maio, "esse é o compromisso que assumimos". A Casa Branca precisou recuar em todas as vezes;
Durante a última crise do Estreito de Taiwan em 1995-1996, a China lançou mísseis que pousaram perto de Taiwan e os Estados Unidos enviaram dois porta-aviões para a região leste de Taiwan, disse Evan Medeiros, professor de estudos asiáticos na Universidade de Georgetown. Mas os militares chineses eram muito menos capazes na época, "portanto, havia pouco risco de escalada", disse ele.
"Esta crise está acontecendo com um exército chinês muito mais capaz e uma liderança mais confiante e frustrada", disse Medeiros, que serviu como alto funcionário da China no governo de Barack Obama e estava na delegação não-oficial a Taipé em março. "Portanto, os principais desafios para os Estados Unidos serão o gerenciamento de crises e o controle de escalada." (Com agências internacionais)