A promessa de Elon Musk de deixar qualquer um dizer o que quiser no Twitter, se adquirir a rede social, pode transferir a responsabilidade de combater assédio, desinformação e notícias falsas para os usuários da plataforma - alertam especialistas.
Poucos detalhes dos planos de Musk para o Twitter foram divulgados depois do anúncio feito na segunda-feira (25) de seu acordo para comprar a empresa por US$ 44 bilhões. O que já se sabe é que o dono da Tesla se autoproclama um "absolutista da liberdade de expressão".
O controle exclusivo do Twitter com Musk como proprietário levantou preocupações de analistas e ativistas de que esta arena virtual será administrada sob os caprichos do homem mais rico do mundo, com uma abordagem mais voltada para o lucro do que para promover conversas digitais saudáveis.
Para a professora assistente de direito da comunicação da Universidade de Syracuse, Kyla Garrett-Wagner, a aquisição de Musk não é uma vitória da liberdade de expressão.
"O que temos feito é colocar ainda mais poder em poucas mãos", frisou Kyla, em conversa com a AFP.
"Se, amanhã, Elon Musk decidir que quer fechar o Twitter por uma semana, vai poder fazer isso", acrescentou.
A professora lembra que a Primeira Emenda da Constituição americana proíbe apenas os governos de amordaçar o que os cidadãos dizem, deixando ao bilionário empresário o poder de decidir o que pode ser publicado em uma entidade privada como o Twitter.
"Esta não é uma esquina qualquer", adverte Garrett-Wagner.
"Este é o velho e selvagem Oeste, mas de propriedade de uma elite minoritária que não representa vozes das minorias", completou.
- 'Trolls assumem o controle' -
A promessa de Musk de não intervir no conteúdo é particularmente espinhosa, quando se trata de casos amplamente conhecidos, como o do ex-presidente americano Donald Trump. O magnata republicano foi banido do Twitter, depois que seus apoiadores invadiram o Capitólio.
"Musk diz que vai transformar o Twitter em uma rede social sem moderação. Houve muitas delas e não funcionaram", afirma o analista Rob Enderle.
"Os 'trolls' assumem o controle, se tornam excessivamente hostis e afastam as pessoas da plataforma", explicou.
Musk já declarou também que é contrário à suspensão de contas do Twitter por mau comportamento, provocando especulações de que ele poderá retirar o banimento de Trump.
O ex-presidente disse, por sua vez, que não pretende voltar para o Twitter mesmo que sua conta seja reativada e que continuará na Truth Social - sua própria rede.
- Lojas de aplicativos -
Se Musk abandonar a política de conteúdo no Twitter, os anunciantes também terão de se antecipar para garantir que suas mensagens não serão associadas a conteúdo tóxico, de acordo com advogados e acadêmicos consultados pela AFP.
"A responsabilidade agora recai sobre os principais anunciantes do Twitter, que precisam deixar claro que, se o Twitter se tornar um espaço livre para todo o tipo de ódio, extremismo e desinformação, eles vão embora", comentou o diretor da Media Matters for America, Angelo Carusone.
"Também é crucial que o Google e a Apple apliquem ao Twitter os mesmos padrões que aplicam a outros aplicativos como o Parler", acrescentou, referindo-se à rede social popular entre os conservadores, incluindo os trumpistas.
Os gigantes de tecnologia precisariam reiterar que "o Twitter não receberá tratamento especial e que uma violação dos termos de serviço resultará na remoção da plataforma das lojas de aplicativos", insistiu Carusone.
Musk também será julgado duramente pela opinião pública: os usuários do Twitter poderão decidir deixar a plataforma, se ela se tornar hostil, ou inundada de desinformação, acrescenta Garrett-Wagner.
Alguns dos tuítes do próprio Musk chamaram a atenção e causaram polêmica. O magnata zombou de um denunciante da Tesla e, em 2018, chamou de "pedófilo" um dos socorristas que criticaram seu plano de salvar um grupo de garotos presos em uma caverna inundada na Tailândia.
Embora Musk tenha falado sobre erradicar os programas de "bots" (robôs) que disparam "spams" no Twitter, verificar se os usuários são pessoas reais pode ser um grande desafio, advertiu Colin Sebastian, analista da Baird, em uma nota enviada para investidores.
Sebastian observou que a ideia de Musk de cobrar dos usuários o selo azul de verificação de identidade é "muito fácil", mas é provável que apenas uma pequena parte esteja disposta a pagar por isso.
* AFP