Entrevista com o carioca Rosental Calmon Alves, diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas da Universidade do Texas.
Durante a premiação de Maria Ressa e Dmitri Muratov, o Comitê do Nobel fez questão de destacar que a honraria se estendia a todos os profissionais que lutam pelas liberdades de expressão e informação. Como o jornalismo deve entender e receber essa premiação do Nobel?
Este foi claramente um prêmio Nobel da Paz para o jornalismo de qualidade, em um momento em que esse jornalismo e a liberdade de expressão vêm sofrendo tantos ataques, não só nas Filipinas e na Rússia, quanto em outros países ao redor do mundo.
A categoria deve receber isso como um sinal de que estamos indo na direção certa, entregando o que é esperado, ou com preocupação pelo fato de o comitê precisar valorizar princípios que estão na base da nossa profissão e da democracia?
As duas coisas. Acho que o prêmio é para os dois como representantes de uma vasta comunidade global de jornalistas que, como os premiados, resistem ao autoritarismo, à censura, à tentativa de criação e consolidação de ditaduras e regimes autoritários ao redor do mundo. O prêmio reflete um momento da nossa História em que o jornalismo de qualidade, a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão estão sob forte ataque, e no qual é muito importante tanto reconhecer o valor e a valentia dos jornalistas que estão resistindo, como reconhecer essa realidade em que existe uma tentativa antidemocrática de setores que querem substituir a democracia liberal pelo que muitos estudiosos estão chamando de democracia iliberal.
Tanto na Rússia quanto nas Filipinas, governos têm seguido caminhos de autoritarismo e a imprensa foi um alvo prioritário. Que relação tem se observado entre o aumento do autoritarismo, a erosão democrática e os ataques ao jornalismo?
Há uma ligação direta. Geralmente a escalada para uma ditadura ou para um regime autoritário de fachada democrática - essas democracias iliberais - começa esse processo através de certos alvos estratégicos, entre eles o jornalismo e os jornalistas. Vemos isso em muitos países, até mesmo no nosso Hemisfério, no Brasil e nos Estados Unidos. Nos EUA, tivemos um presidente (Donald Trump) que surpreendentemente dizia que os jornalistas eram inimigos do povo, que incitava seus fanáticos durante comícios. Então há total ligação entre tentar atacar o jornalismo - como os dois jornalistas premiados são atacados pelos governos Putin e Duterte - e criar esse contexto que leva ao autoritarismo ou à consolidação do autoritarismo.
Como o senhor mencionou, o fenômeno do ataque à imprensa ocorre em diversos países e uma constante entre eles é o uso de campanhas de desinformação, viabilizadas pelas redes sociais. Qual a gravidade do fenômeno e quais os efeitos nocivos no cotidiano da política e da sociedade?
A desinformação virou outro elemento no arsenal da construção da democracia iliberal ou da ditadura. Ao mesmo tempo em que se ataca o jornalismo profissional, de qualidade, você cria um falso jornalismo que tem o objetivo de construir a ditadura onde essa mesma liberdade de expressão e essa liberdade de imprensa acabarão sendo destruídas.