A ONU decidiu retirar cerca de 450 capacetes azuis gabonenses de sua força de manutenção de paz na República Centro-Africana, após acusações de exploração e abuso sexual que estão sendo investigadas pelo governo de Libreville.
"Nas últimas semanas foram denunciados fatos de especial gravidade, contrários à ética militar e à honra dos exércitos, cometidos por certos elementos dos batalhões gabonenses", afirmou o Ministério da Defesa do Gabão, em um comunicado divulgado nesta quarta-feira (15).
"Após os inúmeros casos de denúncias de exploração e de abuso sexual que tramitam, as Nações Unidas decidiram hoje retirar o contingente gabonês da Minusca", a missão da ONU na República Centro-Africana, e "foi aberta uma investigação por parte do Gabão", acrescenta a nota.
A decisão foi confirmada pela Minusca em um comunicado, no qual explica que tratam-se de "acusações de abuso sexual contra cinco meninas e envolvem membros não identificados do contingente militar gabonês mobilizado em uma localidade do centro do país".
"Desde 2015 e levando em conta os últimos casos, registramos 32 denúncias de exploração e abusos sexuais de parte de 81 supostos autores da República do Gabão, todos eles militares de contingentes deslocados pela Minusca", informou em Nova York o porta-voz da ONU, Stéphane Dujarric.
A medida também se baseia em uma resolução do Conselho de Segurança, que prevê "substituir todas as unidades do país afetado", quando um Estado "não tomou as medidas necessárias para investigar estas acusações ou (...) não fez que os que cometeram estes atos respondam por eles".
A Minusca foi enviada pela ONU em abril de 2014 para tentar pôr fim à sangrenta guerra civil deflagrada após o golpe de Estado contra o presidente François Bozizé.
Os confrontos entre a coalizão de grupos armados que derrubaram Bozizé - Seleka, de maioria muçulmana - e as milícias apoiadas pelo chefe de estado deposto - os antibalakas, dominados por cristãos e animistas - atingiram seu auge entre 2014 e 2015.
Desde então, a intensidade da guerra civil diminuiu de maneira considerável, mas a Minusca ainda mantém cerca de 15.000 soldados neste pobre país africano, incluindo cerca de 14.000 militares, com o objetivo de proteger a população.
As acusações de crimes sexuais contra as forças de paz são recorrentes na República Centro-Africana.
Se os "fatos denunciados (...) forem verdadeiros, seus autores serão levados aos tribunais militares e julgados com extremo rigor", prometeu o Ministério da Defesa do Gabão.
"O Gabão sempre exigiu de seu exército, em seu território e no exterior, um comportamento irretocável e exemplar", afirma. "Concluindo: para além dos fatos denunciados e à espera das conclusões da investigação, o batalhão gabonês é retirado".
Há anos, no mundo todo, surgem acusações contra membros das forças de manutenção da paz por exploração e abuso sexual.
Desde 2010, a ONU registrou em seu site 822 acusações de exploração e abuso sexual contra seu pessoal durante operações de manutenção da paz.
- Acusações recorrentes -
Por nacionalidade, desde 2015, os capacetes azuis originários de Camarões são os que teriam cometido mais abusos (44), seguidos dos da África do Sul (37), da República Democrática do Congo (32), do Gabão (31) e do Congo (26), segundo a organização.
Em março de 2018, o Gabão anunciou que estava retirando seu contingente da Minusca, devido a "um retorno progressivo da paz". Um funcionário de alto escalão da ONU disse à época, porém, que a decisão estava relacionada com "problemas de equipamento e abuso sexual".
Três meses depois, no entanto, a pedido urgente do presidente centro-africano, Faustin Archange Touadéra, o chefe de Estado do Gabão, Ali Bongo Ondimba, anunciou que manteria suas tropas na República Centro-Africana.
Em 2016, Libreville já havia anunciado a abertura de investigações, depois que a ONU identificou 15 de seus soldados como suspeitos de terem cometido violência sexual.
Em 2017, um batalhão de mais de 600 soldados do Congo foi retirado por acusações de agressão sexual e outros delitos. Um ano antes, 120 capacetes azuis tiveram a mesma sorte.
Em 2014, militares franceses da Operação Sangaris de manutenção da paz também foram acusados de estuprar crianças de 7 a 13 anos. A França abriu uma investigação, que acabou sendo arquivada em 2018.
* AFP