Fronteiras fechadas, medo de não retornar para casa e noites em claro em alojamentos em galpões de madeira a espera de liberação. Assim tem sido o dia a dia de pelo menos 39 brasileiros retidos na fronteira entre o Chile e a Argentina devido às restrições de circulação por causa da covid-19. O grupo é integrado por motoristas profissionais contratados por uma empresa de São Paulo para transportar caminhões novos que deveriam ter chegado ao Peru.
No grupo está o caxiense Rodrigo Madruga Oliveira, 33 anos, que só conseguiu voltar para casa de carona, furando o bloqueio imposto pelas autoridades chilenas de Los Andes, onde o grupo está retido.
A serviço da empresa de transportes Mistral Tlog, o profissional e outros brasileiros, a maioria gaúchos, iniciaram em 8 de março uma viagem levando caminhões novos até Tacna, no Peru. Saindo de São Paulo, o grupo passou pelo Rio Grande do Sul, pela Argentina e chegou a cruzar parte do território chileno. Pouco antes de chegar à fronteira entre o Chile o Peru, na cidade de Arica, uma ação do governo contra o contágio por covid-19 exigiu dos motoristas testes negativos para coronavírus. Oliveira relata que o fato ocorreu entre os dias 15 e 16 de março. A empresa encaminhou a coleta de exames do tipo PCR em um laboratório.
Os testes comprovaram que dois dos 40 integrantes haviam apresentado resultado positivo para a doença. Começavam os problemas. Todos os brasileiros foram levados a um alojamento do governo. Eram apartamentos separados onde eles ficaram pelo período de 11 dias. Passado o prazo de isolamento, novos testes foram realizados. Dessa vez, os exames deram negativo inclusive aos dois anteriormente infectados.
O alívio, entretanto, durou pouco. Segundo a empresa, não houve liberação governamental para a saída do Chile. Do outro lado da fronteira, o governo peruano não aceitava a entrada dos trabalhadores. Apenas os caminhões passaram, sendo recebidos pelos motoristas da Mercedes-Benz no Peru.
Conforme a Mistral, a determinação do Chile foi de que o grupo retornaria à capital do país, Santiago, para então aguardar a volta para o Brasil, por via aérea ou rodoviária. O diretor comercial da empresa, Márcio Tadeu Duarte Silva, diz que ficou impedido de resolver a situação.
- Os próprios motoristas desejaram ficar em Los Andes ao invés de Santiago. Pedimos isso ao consulado (brasileiro), e eles autorizaram devido às restrições em Santiago estarem ainda maiores. Assim, desde o final de março, o grupo permanece em Los Andes - afirma.
Além do transtorno, Oliveira conta que a situação em Los Andes é difícil e perigosa. Eles chegaram a ser colocados em um galpão porque o dono do hotel pago pela empresa teria escondido o grupo da vigilância sanitária chilena.
- No hotel, há aglomeração, eram 40 motoristas e outros hospedados também. Houve uma sexta-feira que bateu a vigilância lá, e o dono nos escondeu em outra parte porque tinha muita gente - contou Oliveira.
Temendo pela saúde e prevendo que a situação poderia complicar, ele decidiu fugir. Sem dinheiro, a mãe enviou a quantia necessária para que embarcasse em um ônibus a partir de Uruguaiana, onde um colega o deixou, após a viagem na carona de um caminhão. Oliveira diz que recebeu apenas 75 pesos chilenos para alimentação nessas semanas.
- Se não tivesse arrumado uma carona ainda estaria lá e se não fosse minha família eu não teria chegado em casa. Em relação à empresa, estou decepcionado por nos deixarem nessa situação, acredito que poderíamos ter sido retirados desde Arica, de avião. Eu desejo realmente que meus colegas possam sair logo dessa situação - diz.
Na fronteira, ele conta que, desta vez, como estava de carona, não enfrentou problemas ao deixar o país.
Em Caxias do Sul, a mãe, Sonia da Silva Madruga, 53 anos, começou a pedir ajuda ao governo brasileiro na última sexta-feira (16).
- Os familiares começaram a pedir uma solução, já na sexta não consegui dormir. Recorremos até aos prefeitos das cidades. Meu filho chegou. E os outros que ficaram? - questiona.
Oliveira retornou para casa, no Loteamento Mariani, em Caxias do Sul, na manhã desta terça-feira (20). Dos 43 dias de viagem, pelo menos 35 foram vividos em alojamentos chilenos à espera de liberação para voltar ao Brasil.
Como ele, outras dezenas motoristas que foram enviados pela mesma empresa seguem na cidade de Los Andes, no Chile. Outro gaúcho que passa pelas mesmas condições e ainda está no Chile é Adilson Dorneles da Luz, 49, de São Borja.
- Temos saudade da família e, por aqui, na pensão, dependemos de bom humor para nos emprestarem a cozinha. Para sairmos de manhã (nesta terça-feira) tivemos que desatar as portas porque deram um jeito de nos fechar. Não querem que a gente saia, já fizemos isolamento. Já está demais, temos de conseguir carona também. Tem mulheres que tem filhos e estão presas aqui.
A pedido da reportagem, o Itamaraty se manifestou, informando que acompanha de perto a situação. "O Consulado-Geral do Brasil em Santiago está em contato com o grupo de 40 motoristas que se encontra retido em Los Andes, em razão do fechamento das fronteiras chilenas, e mantém diálogo permanente com autoridades chilenas para buscar soluções esses e a outros problemas decorrentes das novas exigências sanitárias".
O ministério informou ainda que participa, junto com aa Casa Civil, de negociações "com vistas a alcançar soluções definitivas para o problema". Veja nota na íntegra, abaixo.
O que diz a empresa Mistral Tlog
De acordo com o diretor Márcio Tadeu Duarte Silva, não há informação alguma sobre o hotel apresentar condições sanitárias indesejadas. Sobre a falta de dinheiro para alimentação, Silva informa que envia em média R$ 35 mil pesos por semana e que há um motorista responsável pela assistência de todos. Segundo a empresa, a autorização dos governos está condicionada ao fretamento de um ônibus e ninguém poderia ter deixado o grupo.
- O consulado brasileiro do Chile e da Argentina estão envolvidos no caso e falamos diariamente. É, agora, uma questão diplomática para quebrar a burocracia imposta pelos países - diz.
O que diz o Itamaraty
"Os governos do Peru (28/3), do Chile (5/4) e da Argentina (14/4) estabeleceram novas exigências sanitárias para transporte internacional rodoviário de cargas, que incluem apresentação de teste PCR por caminhoneiros não residentes, tendo em conta o surgimento e disseminação da nova variante brasileira do coronavírus.
Transportadores brasileiros vêm relatando dificuldades de cumprimento das medidas, em razão de alegada inexistência de infraestrutura para realização de PCR na fronteira do País ou ao longo da rota internacional.
O Itamaraty acompanha atentamente a situação e tem participado de reuniões com o setor brasileiro de transporte de cargas, com outros órgãos governamentais e com autoridades dos países vizinhos para buscar soluções às novas exigências sanitárias argentinas, chilenas e peruanas. Nesse contexto, o Itamaraty, junto com as Embaixadas do Brasil em Buenos Aires, Lima e Santiago, e em contato direto com as Chancelarias de Argentina, Chile e Peru, realizou gestões para solicitar prorrogação do prazo para cumprimento das medidas pelos transportistas brasileiros e propor adoção do modelo observado atualmente pelo Uruguai, que determina a realização de testes PCR em caminhoneiros no lado uruguaio da fronteira, com custos pagos pelo importador e sem necessidade de espera do resultado do exame.
O Ministério das Relações Exteriores logrou, após gestões junto ao governo chileno, a flexibilização de medida inicial que impunha a realização, pelos caminhoneiros, de PCR 72 horas antes da chegada à fronteira chilena. A nova medida chilena, menos estrita, determina a realização de PCR 72 horas antes da saída do caminhão da fronteira brasileira, o que confere maior prazo para as providências necessárias por parte dos motoristas e das empresas transportadoras.
Adicionalmente, o Consulado-Geral do Brasil em Santiago está em contato com o grupo de 40 motoristas que se encontra retido em Los Andes, em razão do fechamento das fronteiras chilenas, e mantém diálogo permanente com autoridades chilenas para buscar soluções esses e a outros problemas decorrentes das novas exigências sanitárias.
O Itamaraty participa, ainda, de coordenação no âmbito do Governo Federal, liderada pela Casa Civil, com vistas a alcançar soluções definitivas para o problema."