Apesar de ter havido duas crises anteriores relacionadas ao coronavírus, o mundo realmente não investiu em meios para combatê-los, lamentam pesquisadores, que esperam que esta epidemia seja o "último sinal de alerta" para se preparar para as próximas.
Há 20 anos, apenas quatro vírus da família dos coronavírus eram conhecidos como transmissíveis aos humanos, todos geralmente benignos.
Mas, no começo dos anos 2000, tudo mudou com o surgimento de um quinto membro da família: a Síndrome Respiratória Aguda Severa (Sars), que deixou 774 mortos no mundo em 2002-2003, e depois a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers), que deixou 850 mortos desde 2012.
Os pesquisadores agora estão ocupados desenvolvendo tratamentos e vacinas.
"Mas com muita frequência a atenção à pesquisa e ao investimento gerada por uma nova epidemia diminui rapidamente uma vez que ela se acalma", disse à AFP Jason Schwartz, da Escola de Saúde Pública da Universidade de Yale.
"Resultado: as promissoras estratégias de investigação são deixadas de lado, ou os fundos são perdidos, enquanto este trabalho poderia ser valioso para acelerar a resposta em futuras epidemias", explica.
Diante da "ameaça mundial" que os coronavírus hoje representam, esta investigação fundamental é importante "para assentar as bases de futuras inovações, embora não haja uma aplicação comercial imediata", destacou o virologista.
Alguns programas de pesquisa tinham sido iniciados, especialmente com apoio da União Europeia, aponta Bruno Canard, especialista no vírus do CNRS. Logo "diminuíramos, houve mudanças nas políticas, a crise (financeira) de 2008...", lamentou.
- 'Vergonha' -
"Baixamos um pouco a guarda, enquanto, ao contrário, a aparição do vírus está em modo de aceleração, e a aparição será cada vez mais acelerada, pela mudança climática, a perda de biodiversidade", insiste um pesquisador. Suspeita-se que o Sars, o Mers e o novo coronavírus saíram de um animal antes de passar para os humanos.
Para os especialistas, se a investigação sobre o corornavírus tivesse continuado de forma assídua desde 2002, no melhor dos casos haveria hoje um medicamento capaz de tratar o novo COVID-19.
Embora os coronavírus mortais não sejam idênticos, são bastante similares. O novo é inclusive "irmão gêmeo do de 2003", segundo o pesquisador.
Mas, mesmo com diferenças, a ciência teria a capacidade de desenvolver um medicamento "contra qualquer novo coronavírus que aparecesse", disse Johan Neyts, professor especialista em vírus da Universidade KU Leuven, na Bélgica.
"Conhecíamos seis membros da família dos coronavírus, então tivemos o suficiente para tentar encontrar um medicamento eficaz" contra esses e aqueles que foram aparecendo, disse o especialista, que dirige uma equipe que trabalha com uma vacina e um tratamento com medicamento para o novo vírus.
"É um ataque que poderíamos ter evitado, as pessoas morrem e é uma verdadeira vergonha".
Mas para isso é preciso ter dinheiro. "O desenvolvimento de um medicamento completamente novo pode custar de 250 a 300 milhões de euros (280 a 335 milhões de dólares), o que permitiria à OMS ter reservas para um tratamento ativo contra qualquer coronavírus", disse o pesquisador belga à AFP.
Mas o dinheiro não é o único problema, diz Canard: "Para desenvolver uma molécula, leva anos, você precisa fazer testes clínicos".
De qualquer forma, todos esperam que desta vez a lição seja aprendida. Essa epidemia deve ser "nosso último sinal de alerta", disse Neyts.
"Isso é verdade para a família dos coronavírus, mas também para outras famílias de vírus: todo mundo já esqueceu o zika", lamentou.
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* AFP