SAN FRANCISCO – Gabriela Cámara está tendo um bom ano.
Cinco anos após ter se mudado para os Estados Unidos vinda do México, onde nasceu, ela está prestes a alcançar fama culinária mundial. Seu restaurante, Contramar, que já soma 20 anos de existência, é um lugar querido onde pessoas poderosas almoçam, uma espécie de Union Square Cafe da Cidade do México.
Seu restaurante em San Francisco, Cala, fez dela uma tradutora eloquente da comida mexicana contemporânea e uma ativista por justiça social por aqui: ela oferece seguro-saúde e outros benefícios para todos os funcionários em regime integral, muitos dos quais contratados por meio de um programa que oferece trabalho a ex-detentos.
Um elogioso documentário sobre ambos, "A Tale of Two Kitchens", com produção executiva do ator Gael García Bernal, está disponível na Netflix. Cámara, de 44 anos, acabou de publicar um livro de culinária, "My Mexico City Kitchen" (em tradução livre, Minha Cozinha da Cidade do México). Na metade do ano, vai inaugurar um restaurante em Los Angeles com Jessica Koslow, do restaurante Sqirl, cuja comida caseira e fabulosa se assemelha à dela.
E, no mês passado, ela conquistou uma plataforma ainda maior: o governo mexicano a nomeou para o novo Conselho de Diplomacia Cultural, composto por pessoas que conferem prestígio global à cultura mexicana. Os deveres são vagos, mas o reconhecimento, inequívoco.
No grupo, estão artistas e acadêmicos de todos os tipos, como Enrique Norten, arquiteto; Elisa Carrillo Cabrera, primeira-bailarina do Staatsballett de Berlim (principal companhia de balé da Alemanha); e Silvia Giorguli Saucedo, socióloga e primeira presidente mulher do Colegio de México.
Cámara planeja voltar ao México no meio do ano para aconselhar o presidente do país, Andrés Manuel López Obrador, amigo da família de longa data, sobre políticas alimentares. "Ter um presidente que se importe com comida é uma oportunidade incrível para o México", disse.
Mas, primeiro, ela vai precisar enfrentar algumas críticas sobre outro papel que teve no passado durante a administração dele. Ainda assim, espera servir como uma apoiadora interna não oficial de todos os aspectos da cozinha mexicana – comidas tradicionais, restaurantes modernos, oportunidades de turismo e os desafios impostos por produtores globais de comida, agronegócio e mudanças climáticas.
"Quero ser como a Human Rights Watch, mas para a comida mexicana", revelou. A nova peleja entre México e Estados Unidos acerca de taxas, incluindo produtos básicos como abacate e tomate, faz com que este seja um momento especialmente difícil para assumir uma responsabilidade sobre políticas alimentares.
Ela é destemida. O subtítulo do seu novo livro, "Receitas e Convicções", diz muito sobre ela: Cámara é tão engajada em opiniões e interpretações sobre a comida mexicana quanto na cozinha.
O livro reflete um mundo culinário próprio, afirmou ela; não está restrito à tradição mexicana. Há pequenos textos sobre frutos do mar sustentáveis, o papel do suco de limão e a noção pouco ortodoxa de que você pode enfiar qualquer coisa em uma tortilla e chamar de taco. Em vez de habilidades com a faca e experiência culinária – ela nunca fez faculdade de gastronomia nem trabalhou em restaurantes, a não ser nos seus –, ela traz para a mesa um paladar internacional apurado e ótimo gosto para o design e a comida.
O Contramar é uma interpretação. Em 1998, Cámara quis recriar os restaurantes da costa mexicana do Pacífico que amava quando criança, mas com serviço formal e decoração elegante para funcionar bem em uma grande cidade.
Ela vai continuar no comando dos dois locais, que conseguiram a façanha de ser relaxados, mas não displicentes, especialmente nos pratos clássicos: tostadas de peixe cru com lascas de abacate e pitadas de pimenta chipotle, filé de peixe grelhado pincelado com molho de tomate vermelho e verde, e aguachiles (ceviches salgados e banhados em suco cítrico). Cada componente do prato – o marisco, a massa de milho, a pimenta – brilha.
"O que a Gabriela faz é pessoal, mas atemporal. O Contramar poderia existir no futuro ou no passado", elogiou Enrique Olvera, chef do Pujol, na Cidade do México, do Cosme, em Nova York, e de outros restaurantes mexicanos modernos influentes.
No mundo todo, a comida mexicana encontra grandes entusiastas, mas já era chegada a hora de ela ser também respeitada. A ideia que muitas pessoas têm da culinária mexicana foi formada por interpretações de terceira e quarta mão que passaram pelo filtro do fast food americano.
Mas, quanto mais pessoas passaram a experimentar a síntese extraordinária de influências astecas, maias, médio-orientais e globais que o México tem a oferecer, e à medida que chefs de toda a América Latina começaram a celebrar as culinárias nativas dessa vasta região, isso começou a mudar.
Em 2017, quando o chef dinamarquês René Redzepi transferiu seu aclamado restaurante de Copenhagen, o Noma, para a Península de Iucatã e passou a receber clientes de todas as partes do mundo com um menu degustação de 600 dólares (2.300 reais) que incluía uma tortilha de milho perfeita, a "valorização" da culinária mexicana por um chef europeu foi controversa. Contudo, também refletiu um novo respeito e interesse pela complexidade da gastronomia do país para além de suas fronteiras.
Se depender de Cámara, essa trajetória seguirá ascendente. Ela tem visão vasta e um acesso excepcional para uma chef. Vem de uma antiga e influente família; um de seus ancestrais, Carlos Pellicer Cámara, foi um poeta e intelectual famoso, e seus pais são proeminentes acadêmicos de esquerda desde os anos 1970. Ela tem relações próximas com o presidente e sua família desde a infância.
No entanto, quando voltar, precisará enfrentar algumas repercussões da sua estreia na política. Em agosto do ano passado, logo após a eleição, Lopéz Obrador nomeou Cámara como supervisora do Conselho de Turismo do México.
Estima-se que hotéis, resorts, museus, restaurantes, galerias e inúmeros outros destinos do país produzam mais de 15 por cento do produto interno bruto mexicano. Com mais de 20 escritórios internacionais, o Consejo de Promoción Turística de México estava gastando centenas de milhões de dólares por ano (oriundos das taxas pagas por turistas estrangeiros) para promovê-los.
Como muitas agências governamentais parecidas, ela se tornou inutilmente complexa e notoriamente perdulária. "Estava completamente fora de controle", lembrou Cámara. Ela recomendou que o conselho fosse fechado por completo.
López Obrador, cuja campanha foi desenvolvida sobre a promessa de reduzir os gastos excessivos do governo, dissolveu o conselho, chamado de VisitMexico, assim que tomou posse.
A maioria dos escritórios do órgão foram fechados e o fundo remanescente – aproximadamente 300 milhões de dólares (pouco mais de 1 bilhão de reais) – foi realocado para o Tren Maya, novo sistema ferroviário, muito criticado, que transportará visitantes para o sul do país, região relativamente subdesenvolvida para o turismo.
Muitos especialistas da indústria do turismo, que falaram sob condição de anonimato para preservar seu relacionamento com Cámara, disseram em entrevistas que temiam que, sem o apoio oficial para o turismo, a cultura mexicana pudesse perder o destaque que lutou tanto para conquistar. Não há planos anunciados para substituir a agência.
Como os cortes fazem parte do programa de austeridade de López Obrador, Cámara não está sendo unilateralmente culpada pelos acontecimentos. Mas sua combinação de amplo acesso ao governo e inexperiência fez com que alguns colegas olhassem sua volta com cautela.
Acredito na necessidade de mudar as prioridades do turismo para que as pessoas que realmente fazem o trabalho possam se beneficiar dele.
GABRIELA CÁMARA
chef
Para Cámara, uma mudança institucional profunda é a única maneira de fazer do México uma sociedade justa e próspera. "Acredito na necessidade de mudar as prioridades do turismo para que as pessoas que realmente fazem o trabalho possam se beneficiar dele", ponderou.
Mesmo assim, o Contramar é tão amado pela alta intelectualidade da Cidade do México que é difícil imaginar que Cámara não será recebida como a filha generosa. Em qualquer dia – o Contramar só abre na hora do almoço – é possível ver entre os clientes o prefeito da cidade, as maiores estrelas de telenovelas e jogadores importantes o suficiente para que o local se assemelhe ao Four Seasons de Nova York em dias de maior movimento, só que mais divertido e com comida muito melhor.
Faz anos que chefs mulheres têm dominado a indústria de restaurantes do México, ao contrário dos Estados Unidos, contou Olvera, que frequentou o Culinary Institute of America e trabalhou na cozinha dos melhores restaurantes de Nova York na década de 1990. "Estranhei muito quando voltei", confessou. "Como chef homem, de repente fui eu quem ficou de fora."
As cozinhas dos restaurantes franceses, espanhóis e italianos do México são em sua maioria dirigidas por homens. Mas as tradições culinárias nativas sempre foram passadas de mulher para mulher, majoritariamente nas cozinhas domiciliares.
Com a comida mexicana sendo mais celebrada em todos os lugares, as chefs mulheres do país têm uma chance de brilhar. Bertha González Nieves, consultora no Booz Allen Hamilton e no Jose Cuervo por uma década e, hoje, dona da própria empresa de tequila, disse que Cámara, como ela mesma, representa uma nova geração de mulheres mexicanas que têm formação, falam diversas línguas, são ambiciosas e estão conquistando posições de liderança em mercados onde as apostas são altas, como hotelaria e turismo.
"De fora, pode parecer que muitas mulheres ainda desempenham os papéis tradicionais, mas há muito poder na cozinha mexicana", garantiu.
Por Julia Moskin