O papa Francisco encerra neste domingo (21) sua visita ao Chile e ao Peru com uma duríssima condenação à corrupção, que "adoece" a política na maior parte da América Latina, e uma denúncia às "sobras humanas", que se amontoam nas periferias das cidades.
Em sua sexta viagem latino-americana, o pontífice argentino precisou esperar a chegada ao Peru para sentir-se acolhido pelos católicos, que foram em massa às ruas para recebê-lo — diferentemente da frieza com a qual foi tratado no Chile.
Visivelmente cansado depois de uma semana na qual percorreu milhares de quilômetros para visitar seis cidades nos dois países e com uma agenda cheia de atos, o papa voltou a erguer a voz contra a corrupção que, afirmou, "adoece" a política na América Latina, em particular no Peru, onde quando os presidentes deixam seus cargos, "os levam presos".
Na sexta-feira, ele já tinha convocado o presidente Pedro Pablo Kuczynski, na corta bamba por este "vírus", que "infecta tudo".
O pontífice aproveitou a ocasião de um encontro com os bispos peruanos, no domingo, para insistir em sua alegação.
No Peru, Francisco disse: "(Ollanta) Humala está preso, (Alejandro) Toledo está preso (vive nos Estados Unidos e há uma ordem de extradição contra ele), (Alberto) Fujimori esteve preso até agora, Alan García, que está entro/não entro. O que acontece?", questionou-se.
"Há exceções, mas em geral (a política na América Latina) está mais doente que sadia", disse. "Ganha uma oposição e acusa o corruptor anterior", disse Francisco. "Volta a outra parte e acusa o corruptor prévio, e os dois têm certa razão. O jogo político é muito difícil".
"Não descuidemos disso - advertiu - porque se caímos em mãos de pessoas que só entendem a linguagem da corrupção, estamos fritos".
"Sobras humanas"
O incansável papa celebrou cinco missas, subiu e desceu de aeronaves, que o levaram a seis cidades nos dois países, distribuiu abraços e bênçãos a um povo necessitado de se ater a um símbolo para esperar uma mudança de destino, e não deixou de dar primeiras páginas nesta viagem, o primeiro de um pontífice aos dois países em mais de trinta anos.
Na homilia de sua última e mais multitudinária missa — cerca de 1,3 milhão de fiéis, segundo as autoridades —, o papa das "periferias" denunciou a miséria das cidades povoadas por "sobras humanas".
— Há um grande número de 'não cidadãos', 'cidadãos pela metade', ou as 'sobras urbanas', que estão à beira dos nossos caminhos, que vão viver nas margens das nossas cidades, sem condições necessárias para levar uma vida digna — disse em sua última homilia no Peru, antes de viajar para Roma.
Oportunidade perdida
Apesar de se posicionar como defensor das causas indígenas, dos migrantes, do meio ambiente e dos esquecidos pela globalização e crítico da violência contra a mulher e a corrupção, o papa teve ofuscada sua viagem, sobretudo na etapa chilena, pelo escândalo que assombra a Igreja pelos casos de abusos sexuais de menores por membros do clero, particularmente no Chile.
Advogado da tolerância zero com os abusos, Jorge Mario Bergoglio, de 81 anos, desperdiçou uma oportunidade de ouro para curar as feridas abertas da Igreja chilena, no país mais rico da região, que perde fiéis aos borbotões.
Sua defesa firme do bispo chileno Juan Barros, acusado de encobrir um sacerdote condenado pelo Vaticano por abusos sexuais a menores nos anos 1980 e 1990, prejudicou seus atos de contrição e suas declarações de "dor e vergonha" por estas ações devastadoras para a imagem da Igreja Católica, em um país que perde adeptos de forma acelerada.
O pontífice se reuniu com vítimas de abusos em Santiago, com as quais "chorou" por estas atrocidades, mas isso não o impediu de denominar de "calúnias" as acusações contra o bispo, do qual se despediu afetuosamente com um abraço em Iquique.
Em um gesto incomum, o cardeal Sean O'Malley, assessor próximo do pontífice em sua qualidade de diretor da Comissão vaticana de Prevenção da Pedofilia na Igreja, no sábado se afastou publicamente de Francisco.
Para o arcebispo de Boston, é "compreensível" que as declarações e o comportamento do papa com o bispo Barros tenham causado "uma grande dor" às vítimas no Chile.
Defesa da mulher
Após denunciar em Puerto Maldonado a violência contra a mulher e o tráfico de pessoas — a "escravidão moderna —, e visitar em Santiago uma prisão feminina, o papa condenou a "praga" dos "feminicídios" em Trujillo, atingida pelo tráfico de drogas e pela insegurança, e convidou a população a "lutar contra esta fonte de sofrimento, pedindo que se promova uma legislação e uma cultura de repúdio a toda forma de violência".
Esta foi a primeira vez que saiu da boca do papa a palavra feminicídio, um crime de ódio, em um contexto de discriminação e violência de gênero que se dá majoritariamente nos lares e nas relações de casais, e um flagelo que custou a vida de milhares de mulheres na região.
Segundo a ONU, metade dos 25 países com mais casos de feminicídio no mundo é latino-americana.