Beirute, Líbano – A Arábia Saudita há tempos é conhecida como um dos ambientes mais restritivos do mundo para as mulheres, onde elas não podem viajar sozinhas, ter uma vasta gama de empregos, mostrar o cabelo em público ou dirigir, mas isso está começando a mudar.
Uma série de decisões recentes tomadas pelo príncipe Mohammed bin Salman, o jovem que assumiu o governo do país, pode revolucionar a vida das sauditas que, em breve poderão assistir a jogos de futebol em estádios públicos e já foram nomeadas para cargos proeminentes. Em junho de 2018, poderão dirigir carros, até mesmo motos, diz o governo – e talvez possam até se tornar guardas de trânsito.
Mas o quanto essas decisões vão afetá-las individualmente depende de vários fatores, incluindo onde vivem, sua idade, suas próprias crenças e a vontade de seus parentes masculinos de abrir mão do controle que muitos consideram uma prerrogativa religiosa.
As estritas regras de gênero do reino são muitas vezes vistas como uma extensão da conexão profunda com sua interpretação ultraconservadora do Islã, mas, em muitos aspectos, são normas culturais profundamente arraigadas. E apesar da velocidade com que as decisões oficiais poderiam potencialmente liberar a vida das mulheres, a cultura pode desacelerar o processo.
A maioria dos espaços públicos na Arábia Saudita é projetada para separar homens e mulheres. Restaurantes têm entradas separadas para "famílias", ou seja, grupos que incluem mulheres, e "solteiros" – que, na verdade, significa "homens".
Um shopping na capital Riad tem um andar inteiro somente para mulheres, chamado de "o Reino das Senhoras". Com poucas exceções, escolas e universidades são separadas, e muitos homens e mulheres que não se consideram particularmente religiosos basicamente se socializam com pessoas do mesmo sexo.
Em círculos conservadores, os homens raramente se misturam com parentes que não sejam suas mães, filhas ou irmãs. Alguns passam a vida inteira sem ver o rosto das esposas de seus irmãos.
Porém, as regras não estão tão rigorosas quanto já foram e, em muitos lugares, a mudança já começou: a Arábia Saudita tem uma grande população jovem; cerca de dois terços dos seus 22 milhões de habitantes têm menos de 30 anos. Comparados com os mais velhos, os jovens sauditas hoje crescem mais expostos ao resto do mundo.
Centenas de milhares deles estudaram em outros países, incluindo os Estados Unidos. E a televisão por satélite e as redes sociais fizeram com que, mesmo para aqueles que estão sempre em casa, haja maior familiarização com outras sociedades.
Muitos chegam até mesmo a inventar suas próprias regras: algumas jovens transformaram sua abaya, o vestido preto largo que esconde o corpo feminino, em um sofisticado acessório de moda.
Outras adotaram formas mais reveladoras do hijab, o lenço na cabeça que muitas muçulmanas usam, transformando-os em algo atraente, para chamar a atenção masculina.
Em espaços públicos, muitas pessoas tendem a seguir regras comuns em relação à discrição de seus trajes e nas interações entre homens e mulheres não aparentados, mas, em particular, os sauditas basicamente podem fazer como bem entenderem.
Muitos jovens usaram essa margem de manobra para moldar espaços onde possam se misturar e se envolver em atividades que outras pessoas na sociedade reprovariam. Eles fazem shows em porões para seus amigos e se reúnem em grupos mistos para jogar jogos de tabuleiro ou assistir a filmes de Hollywood sem censura. Outros organizam aulas de salsa, onde as mulheres se vestem de um modo que, em público, seria impensado.
As alterações no status feminino ocorreram lentamente sob os reis anteriores. Na década de 1960, o rei Faisal enfrentou forte reação dos conservadores ao introduzir a educação pública para as meninas. Apaziguou os críticos dizendo-lhes que não seria obrigatória; em poucos anos, mesmo os sauditas mais conservadores enviavam suas filhas para a escola.
Sob o reinado do rei Abdullah, que morreu em 2015, as mulheres foram autorizadas a trabalhar como vendedoras de lojas ou em caixas de supermercado. Ele também incluiu 30 mulheres no Conselho Shura, órgão que aconselha a monarquia e cujos membros são indicados. Nas últimas décadas, o governo construiu várias universidades femininas e o número de inscrições cresceu de forma acentuada.
Mas as mudanças foram aceleradas sob Mohammed, de 32 anos, que se tornou o líder mais poderoso e dinâmico do país desde que seu pai idoso se tornou rei, em 2015.
Os jovens sauditas, animados com as mudanças, descreveram o príncipe como um "herói", "corajoso" e um "jovem defensor".
No ano passado, ele acabou com o poder da polícia religiosa do reino de prender e perseguir indivíduos. Ela já teve grandes poderes para controlar o comportamento público, basicamente impondo trajes modestos para as mulheres e impedindo o encontro de homens e mulheres que não fossem aparentados.
O governo também começou a permitir que as mulheres frequentem estádios para assistir a jogos de futebol e nomeou algumas para posições que não ocupavam antes.
Uma princesa, Reema bint Bandar Al Saud, acompanhou quatro atletas sauditas às Olimpíadas no Rio de Janeiro, e agora integra a comissão de esportes do governo; a porta-voz da Embaixada da Arábia Saudita em Washington é Fatimah Baeshen.
Quando o governo anunciou este ano que não ia mais proibir as mulheres de dirigir, em junho de 2018, ativistas femininas disseram que o movimento teria grande alcance.
Com isso, afirmaram que poderão ir trabalhar com mais facilidade e ser as únicas responsáveis por seus deslocamentos.
Porém, muitas restrições ainda permanecem. Autoescolas para mulheres precisam ser abertas, e os homens conservadores provavelmente ainda serão capazes de impedir que suas esposas e filhas dirijam.
Ativistas dos direitos da mulher dizem que a próxima fronteira na sua luta será contra as leis que exigem que todas devem ter um guardião masculino, geralmente o pai ou o marido, e às vezes até mesmo um filho.
As sauditas ainda precisam de permissão de seus responsáveis masculinos para obter um passaporte, sair do país e seguir determinados tipos de profissões ou fazer tratamentos médicos.
Por Tasneem Alsultan e Ben Hubbard