Cidade do México – As forças que guiam a violência no México, que está a caminho de seu pior ano em décadas, foram vistas em ação pela primeira vez há 20 anos em dois eventos que, na época, foram celebrados como triunfos.
Primeiro, a Colômbia derrotou seu maior cartel de drogas, desviando o centro da negociação para o México.
Depois, em 2000, o México se tornou uma democracia multipartidária.
Isso significa que o mercado da droga se mudou para cá justamente quando a política e as instituições estavam mudando, fazendo com que não fossem capazes de resolver um problema que acabou crescendo.
"O tráfico de drogas não é tão violento em outros países", afirmou Guillermo Valdés, ex-líder do Cisen, o Centro de Investigação e Segurança Nacional do México, em uma entrevista na Cidade do México.
"Isso me desespera, porque a violência está crescendo", disse ele balançando a cabeça ao falar dos erros de seu país.
Em 2006, um novo presidente e um novo cartel agiram de forma extrema, e as consequências ainda perduram.
A implosão dos cartéis colombianos desencadeou uma competição feroz pelo controle do tráfico de drogas. Um novo cartel, La Familia Michoacána, saiu de um grupo maior, e consolidou seu poder recorrendo a uma violência extrema e teatral. Embora o alvo fossem os outros cartéis, os crimes chocaram o país todo.
No mesmo ano, Felipe Calderón foi eleito presidente por uma pequena margem. Apesar das autoridades legitimarem a eleição, seu oponente de esquerda chamou a vitória de ilegítima, e o resultado apertado deixou o governo sem um mandato forte.
Logo depois de tomar posse, o novo presidente declarou guerra aos cartéis usando a força militar do Exército.
Os críticos dizem que Calderón buscou legitimar seu mandato com uma demonstração de força.
Simpatizantes dizem que ele não teve muita alternativa. O México era um país de partido único e, como a maioria dos países assim, controlava seus políticos com clientelismo e corrupção. Quando esse sistema despareceu, os cartéis preencheram o vácuo, comprando governantes e juízes. Apenas o Exército tinha poder de fogo e autonomia para derrubá-los.
Isso deu início à guerra às drogas, que matou dezenas de milhares de pessoas. Mas também criou um conjunto de problemas mais sutis que agora leva a uma violência maior e mais ampla.
Calderón adotou a "estratégia do chefão", na qual as tropas capturam ou matam os líderes dos cartéis. Essa atitude gerou manchetes, agradou aos Estados Unidos e aconteceu de cima para baixo, com pouca interferência da força policial local, fraca ou corrupta.
Mas essa solução de curto prazo para a guerra contra as drogas agravou problemas de longo prazo.
Ignorando prefeitos e governadores porque o sistema pré-democrático fez deles corruptos sistemáticos, sem fiscalização, o governo os eximiu ainda mais da responsabilidade.
E ignorando a polícia e a justiça locais já fracas, o governo deixou que essas instituições se atrofiassem, voltando o orçamento e a atenção política para o Exército e as forças federais.
As reformas, extremamente necessárias para suprimir práticas antiquadas – turnos policiais de 24 horas, fracos padrões de evidências, uma regra que proíbe a maioria dos policias de conduzir investigações – ainda não saíram do papel.
Como a "estratégia do chefão" desmantelou os cartéis, grupos menores assumiram o controle.
Desde então, disse Alejandro Hope, analista de segurança, "houve uma mudança significativa na forma como o crime organizado atua no México".
O tráfico de drogas requer recursos e infraestrutura que faltam aos pequenos grupos, levando muitos ao sequestro, roubo e extorsão. Os crimes predatórios aumentaram.
Mexicanos comuns, que antes passavam ao largo do conflito, agora são o alvo, exatamente quando o Estado os deixou vulneráveis.
"No processo de fragmentação, não fizemos o trabalho de estruturação das instituições policiais. Então, temos o pior do pior", disse Valdés, que comandou o serviço de inteligência da segurança nacional enquanto a situação se desenrolava.
A solução para o problema parece óbvia. A polícia e a promotoria fortes, supervisionadas por políticos que precisam dar explicações aos eleitores – isso poderia acabar com o vácuo no qual gangues e autoridades corruptas prosperam.
Em vez disso, a desordem e a violência têm aumentado.
Joy Langston, cientista político do Centro de Pesquisa e Ensino de Economia na Cidade do México, correlaciona vários problemas do país a uma peculiaridade aparentemente menor do sistema político.
Todos os candidatos são selecionados pelos partidos, e as autoridades servem um mandato antes de trocarem de posto.
Durante a época unipartidária, isso queria dizer responsabilidade e prestação de contas, que vinha da liderança do partido. Corregedorias, vistas como supérfluas, nunca foram totalmente implantadas.
A democracia, como pretendido, acabou com o poder do partido único. Mas o antigo sistema construído em torno de uma autoridade central permanece.
Isso enfraqueceu o Estado e consolidou vários de seus antigos problemas, criando o que Langston chamou de "cenário de pesadelo", no qual "as instituições que deveriam prestar contas e ser transparentes acabaram extraordinariamente fracas após 17 anos de democracia".
A combinação de corrupção, prestação de contas precárias e instituições fracas deixou o Estado vulnerável. Nas áreas pobres e rurais, ele recuou e grupos de criminosos e gangues de jovens preenchem esse espaço, cooptando autoridades ou simplesmente tirando-as do caminho.
O resultado pode ser menos dramático do que a guerra contra as drogas de Calderón, em que os cartéis exibiam publicamente cadáveres desmembrados. Mas é mortal da mesma forma, com milhares de invasões de casas, assassinatos de gangues e assaltos à mão armada que terminam em tragédia.
A situação está levando as comunidades a fazerem, em nível local, o que Calderón fez dez anos antes: ignorar instituições desacreditadas, agravando o problema subjacente.
Empresas e mexicanos de classe média contratam segurança privada em números recorde. Mas, assim como o Exército, os guardas contratados não conseguem resolver crimes ou prender suspeitos.
Mark Ungar, professor do Brooklyn College, disse que essa prática crescente "diminui a pressão política sobre o Estado para melhorar a polícia".
As comunidades rurais, que são mais vulneráveis, formaram milícias de "autodefesa" para se livrar tanto de gangues como de prefeitos.
Inevitavelmente, as milícias são ainda mais corruptíveis e dão menos satisfação do que a polícia que substituíram. Quase todas visam quem um dia os patrocinou na prática de crimes como extorsão, roubo e sequestro. Muitos estão envolvidos no comércio de heroína, que está crescendo devido ao aumento da demanda decorrente do vício em opioides nos Estados Unidos.
Em uma tendência perturbadora, comunidades desesperadas e assustadas procuram ao menos uma ilusão de segurança linchando suspeitos de crimes.
Ungar disse que essas expressões de vigilância "representam uma falta de poder do Estado".
Por Max Fischer e Amanda Taub