Não é qualquer momento este em que o G20 se reúne para a 12ª cúpula dos 19 países mais ricos e União Europeia. Nesta sexta-feira (7) e sábado (8), os temas mais urgentes da humanidade, como migrações em xeque, terrorismo ameaçador, mudanças climáticas desprezadas pela maior potência, desigualdade persistente e comércio global estarão na pauta, em Hamburgo (Alemanha). O encontro seguinte, o 13º, será em Buenos Aires.
A chanceler alemã, Angela Merkel, além de anfitriã, foi protagonista, às vésperas do evento, de uma declaração segundo a qual a sustentabilidade e a atenuação das desigualdades serão prioridade. Merkel chama atenção porque é tida como principal defensora da política de austeridade.
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Analistas que acompanham os preparativos dizem que os líderes irão a Hamburgo com as maiores comitivas já compostas nos 12 anos de realização do evento. Merkel reconhece que a cúpula na portuária Hamburgo se dará "em condições particularmente difíceis" e que "os maiores desafios" são "terrorismo, mudança climática e protecionismo", temas que fazem com que o mundo esteja "em crise" e "mais desunido".
Axel Berger, analista-chefe do Grupo de Pesquisa de Políticas do G20, do do Instituto Alemão de Política de Desenvolvimento, já manifestou a preocupação de que o presidente americano, Donald Trump, em sua estreia nessas cúpulas, "questione muitos dos consensos passados" e de que "outros países se somem a ele."
O jurista Pedro Dallari, especialista em direito internacional, não contesta o temor de Berger, até porque, segundo ele, os EUA trocaram a postura de busca da harmonia (essência do G20) e adotaram, sob Trump, o isolacionismo. Mas ele faz uma ressalva: a atual crise na Coreia do Norte, com a possível intervenção americana, pode levar Trump a negociar um consenso e, para isso, amenizar o discurso. Dallari aposta que esse assunto será prioritário na cúpula, mesmo que não esteja na pauta e que se restrinja aos bastidores, não entrando nem em carta conjunta posterior. Motivo: o tema envolve EUA e China, os principais "players" globais.
– Estou certo de que esse tema vai predominar nos corredores, mesmo fora da pauta – diz.
Dallari ressalva que o G20 "não é organização onde se vota e delibera":
– O G20 é importante como espaço onde se buscam aproximações, e Trump pode buscar algum apoio ali.
Por esses diversos motivos, o G20 se vê impelido a voltar à essência de ser um fórum de cooperação e consulta. Seus cinco objetivos originários são favorecer negociações econômicas, debater políticas globais para o desenvolvimento sustentável, discutir o mercado de trabalho, criar mecanismos para regulação econômica e fomentar a liberação do comércio mundial.
O G20 deriva do G6 de meados dos anos 1970 (EUA, Alemanha, França, Itália, Japão e Reino Unido), que passou a ser G7 com o Canadá e G8 com a Rússia, expandindo-se aos 20 sócios atuais para evitar a elitização excessiva e aproximar economias desenvolvidas, como Estados Unidos e Alemanha, de nações em desenvolvimento, como Brasil, Índia e México, e estabilizar o mercado financeiro mundial. Por isso, consolidou-se em 2008, a partir da crise financeira.
O cientista político e codiretor do projeto Plataforma Democrática e da Coleção O Estado da Democracia na América Latina Sergio Fausto, especialista em política internacional, vê o evento que se inicia hoje como diferenciado por temas como o conflito coreano, o ambientalismo e a tensão russo-americana, mas também muito especial por causa do momento vivido pela França e seus reflexos na Europa. Esse é, segundo ele, o motivo para Merkel abandonar o discurso conservador da austeridade e pensar em desenvolvimento sustentado.
– É como se você estivesse em um avião no qual havia um motor, e você liga um segundo motor. Quando a Alemanha ganha um parceiro como a França, naturalmente o seu governo fica menos na defensiva e, também, menos conservador, fala menos em austeridade. A soma dos dois países é algo muito positivo – diz o cientista político, referindo-se à recente eleição do presidente francês, Emmanuel Macron.
Brasil defende reforma e multilateralismo
O Brasil antecipou sua posição na cúpula do G20. Na véspera do evento, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, utilizou sua conta no Twitter para dizer que o país defenderá o livre comércio e o multilateralismo. Apesar de aparentar ser um tema consensual, tanto o livre comércio quanto o multilateralismo vão de encontro ao que defendem os Estados Unidos de Donald Trump. Pode ser um sinal de que o Mercosul se prepara para ser alternativa comercial em aliança com a União Europeia (UE).
Meirelles também disse que o governo brasileiro mostrará aos demais países membros do grupo as reformas estruturais adotadas para criar condições para o crescimento sustentado da economia e do emprego. "Reformas estruturais para aumentar as taxas de crescimento econômico estão no centro da agenda do G20. A agenda de reformas brasileira está em linha com medidas defendidas pelo G20 e pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)", completou o ministro brasileiro.
O presidente Michel Temer tem chegada a Hamburgo prevista para a madrugada desta sexta-feira, retornando ao Brasil na tarde de sábado, horas antes de o evento se encerrar. Temer estará acompanhado do chanceler Aloysio Nunes Ferreira e de Meirelles, que chegou à cidade alemã no início da tarde de quinta-feira. Além de acompanhar o presidente, o ministro da Fazenda terá reuniões com colegas da Alemanha (sexta) e do Canadá (sábaod). Um encontro de Temer com a chanceler alemã, Angela Merkel, foi suspenso em razão da indefinição inicial sobre a presença do brasileiro na cúpula, segundo o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo.
Além do Brasil, México e Argentina são os representantes latino-americanos no G20.
A presença de Temer servirá, no plano político, para demonstrar naturalidade em meio aos escândalos de corrupção brasileiros.
O presidente da Argentina, Mauricio Macri, após ter rompido o isolamento do seu país, buscará recuperar investimentos especialmente nas reuniões com o presidente francês, Emmanuel Macron, e a premier britânica, Theresa May.
Já o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, chega em um momento de tensões com os EUA, marcadas pela questão migratória e pelo projeto americano de construir um muro entre os dois países. Haverá um encontro entre Peña Nieto e Trump.
Dez polêmicas do G20
Na tentativa de demonstrar normalidade administrativa, Michel Temer recuou e decidiu participar do encontro. O Palácio do Planalto chegou a divulgar que Temer, acossado por suspeitas de corrupção, não iria a Hamburgo. A decisão vinha repercutindo mal. No material da imprensa, não consta o seu nome.
Três presidentes, além de Temer, vivem turbulências. Os de EUA, Donald Trump, Rússia, Vladimir Putin, e Turquia, Recep Tayyip Erdogan estarão presentes. Temas sensíveis a eles: suspeitas de corrupção, isolacionismo, guerra na Síria, sanções contra a Rússia e suposta influência de Moscou na eleição do americano.
O Rei da Arábia Saudita, Salman bin Abdulaziz, cancelou sua participação no evento em razão da atual crise no Qatar. A Arábia Saudita e três de seus aliados árabes cortaram laços diplomáticos com esse país sob a alegação de que ele toleraria o Irã e grupos extremistas islâmicos, como a Irmandade Muçulmana.
O primeiro encontro entre Putin e Trump deve ocorrer nesta sexta-feira em Hamburgo, à margem da cúpula, anunciou o conselheiro do Kremlin Yuri Uchakov, citado pelas agências russas. A Casa Branca havia enfatizado que Trump desejava uma relação "mais construtiva" com a Rússia. Isso atrairá os holofotes.
Após ter levado seu país a deixar o acordo climático de Paris, o presidente dos EUA deve reforçar sua decisão, porque se diz orgulhoso ao "proteger empregos, empresas e trabalhadores americanos". Essa determinação corrobora a certeza de Merkel, de que "não se devem esperar conversas fáceis em Hamburgo".
O protecionismo é reiteradamente descartado pelo grupo. Isso foi dito com ênfase pela chanceler alemã. O tema deve provocar debates acalorados. Trump tem na proteção ao mercado americano um trunfo eleitoral. Orgulha-se disso. Os outros integrantes devem insistir na tese da globalização, essência do G-20.
Sobre o comércio, os americanos ameaçaram adotar taxas de importação contra a China e a Alemanha. Isso provocou desconforto. Com a Alemanha, a própria Merkel diz que há visões diferentes. Com a China, além da disputa por mercados, há a crise atual envolvendo a Coreia do Norte, aliada chinesa.
A cúpula corre o risco de ser obscurecida por crises como a mais recente, a do programa nuclear norte-coreano, que ganhou novo capítulo com o disparo de míssil intercontinental, que é "uma nova escalada da ameaça aos EUA, aliados e parceiros, à região e ao mundo", disse o secretário de Estado americano, Rex Tillerson.
As ruas da portuária Hamburgo estão repletas de cartazes repudiando o encontro. Um deles resume a mensagem aos visitantes: "Bem-Vindos ao Inferno". Um dos protestos cita Trump, Erdogan, Putin e o brasileiro Michel Temer, definidos como "déspotas, mandatários e assistentes" pela organização BlockG20.
Cúpulas do G20 costumam atrair manifestantes anticapitalismo (incluindo os black blocks, conhecidos por ações violentas e vandalismo). O encontro em Hamburgo, segunda maior cidade da Alemanha, deve ser especialmente tumultuado. Nos anos recentes, o G-20 vinha se reunindo em cidades menores ou mais afastadas.
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O G20 representa cerca de
85%
do Produto Interno Bruto (PIB) do planeta,
80%
do comércio e cerca de dois terços da população.
Os encontros do grupo são anuais.