Um nome familiar aos brasileiros está dominando os debates e pode fazer a diferença nas eleições equatorianas deste domingo: o da Odebrecht, a maior construtora do Brasil, implicada, conforme o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, no pagamento de US$ 33,5 milhões em propinas para funcionários do governo equatoriano entre 2007 e 2016. Detalhe: esse período de uma década coincide justamente com o do governo de Rafael Correa, um dos principais pilares do "bolivarianismo", ao lado do venezuelano Nicolás Maduro e do boliviano Evo Morales.
Não é por menos que Correa saiu a público na quarta-feira para defender o seu governo e preservar o aliado indicado para ser seu sucessor, o ex-vice-presidente (2007 a 2013) Lenín Moreno. Em pronunciamento na cidade de Guayaquil, disse que as denúncias contra funcionários de seu governo sobre favorecimentos à Odebrecht são "distorções" frequentes nas campanhas eleitorais.
O economista Correa poderia cobiçar o quarto mandato, mas declinou dessa prerrogativa – o motivo seria familiar (viverá na Bélgica, país da sua mulher) ou sinal de que, depois de duas eleições ganhas em primeiro turno e de atingir 80% de popularidade, perdeu fôlego, caindo 20 pontos na avaliação popular em meio à crise econômica resultante da queda no preço do petróleo e dos escândalos de corrupção.
De acordo com Correa, o Equador tem políticas de "tolerância zero" contra a corrupção, ainda que reconheça a inevitabilidade de haver "funcionários desonestos". A respeito das delações premiadas que respingaram no país, ele sustenta que "não há provas". Ainda assim, o próprio Correa expulsou a empresa brasileira em 2008 por irregularidades na construção de uma hidrelétrica. Somente dois anos depois a Odebrecht retornou ao Equador, onde, neste momento, a Justiça a proíbe de celebrar contratos até que os casos sejam investigados.
Um dado relevante: de acordo com pesquisa do instituto Cedatos, a corrupção é a segunda maior preocupação dos equatorianos (18%), perdendo apenas para a crise e o desemprego (54%). Cientes disso, os sete candidatos oposicionistas atacam o governo "correísta" argumentando que os malfeitos da Odebrecht atingem em cheio exatamente os mandatos da atual administração, em episódios como os supostos subornos da empreiteira.
Lenín Moreno – cadeirante que perdeu a mobilidade das pernas após resistir a assalto em 1998 e levar um tiro, tornou-se conferencista e é autor de 10 livros de autoajuda. Na quinta-feira, a Cedatos o mostrava com 32% dos votos, em tendência de queda. O ex-banqueiro conservador Guillermo Lasso estaria com 21,5%. A ex-deputada de direita Cynthia Viteri ficaria em terceiro, com 14%, e o ex-militar Paco Moncayo tem 7,7%. Todos com tendência de se unir no segundo turno. Há entre 30% e 35% de indecisos. Para ganhar no primeiro turno, um candidato precisa ter pelo menos 40% dos votos e 10 pontos de vantagem em relação ao segundo colocado – ou ter mais que 50%, independentemente da diferença em relação ao outro mais bem colocado.
– Lenín Moreno tenta vencer no primeiro turno. No segundo, a situação fica complexa e incerta, em uma polarização. Correa é a figura política mais importante do país, mas o melhor momento do seu governo ocorreu na primeira metade. Depois, como em toda a América do Sul, caíram os preços das matérias-primas, e terminou a prosperidade. Já a oposição é heterogênea e fragmentada – diz o cientista político equatoriano Adrián Bonilla.
Dúvida sobre agilidade nas investigações
Em vídeos divulgados nas redes sociais, o ex-ministro Carlos Pareja Yannuzzelli, acusado de corrupção na estatal Petroecuador, disse que "nada se fazia" sem o consentimento do atual vice-presidente Jorge Glas, candidato a vice na chapa de Moreno – e isso tem pesado fortemente para manter os atuais índices nas pesquisas.
Os oposicionistas criticam o governo de ser lento nas investigações. Citam outros países, onde altas autoridades foram implicadas nos escândalos e levadas à Justiça. Correa assegura que, "se houver comportamentos pessoais inapropriados", ele será "o primeiro a querer identificar os responsáveis". Já o Ministério Público se defende dizendo que pediu o auxílio das Justiças de Brasil e EUA para elucidar os casos.
Professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Alcides Vaz acredita que a Odebrecht influencia, mas não será a questão definidora das eleições. O que poderá prejudicar o candidato governista, segundo ele, são a longevidade do governo, o desgaste e a perda de apoio em cidades como Quito e Guayaquil.
– É natural que, em qualquer eleição, casos como o da Odebrecht ganhem peso, mas a empresa chegou a ser expulsa do Equador. O tratamento, naquela ocasião, foi enérgico. Correa pode argumentar isso e mostrar que o país passou a funcionar melhor com ele em termos econômicos. O problema, para o candidato governista, é muito mais a parte institucional, a centralização e a personalização do presidente – diz Vaz, que, por questões acadêmicas, tem ido ao Equador praticamente todos os anos e acompanha o país de perto.
Para agravar a situação de Moreno, a conta @odebrechtLeaks, no Twitter, divulgou gravação em que Fabricio Correa, irmão e desafeto do presidente, afirma que o mandatário recebeu propina da Odebrecht para campanhas eleitorais. Correa reagiu dizendo que "Fabricio era amigo da Odebrecht" e "fazia negócios tratando mal seus empregados e não pagando impostos". Viu-se, então, obrigado a dizer que conheceu os empresários da Odebrecht em 2005 (quando era ministro de Economia), mas que nunca mais os viu. Pediu que a presença da empresa no Equador seja investigada desde 1980, quando chegou ao país.
Além da presidência, eleição equatoriana terá também referendo
12,8 milhões de eleitores irão às urnas para escolher o sucessor de Rafael Correa.
-Haverá referendo sobre lei que impede funcionários públicos de ter dinheiro em paraísos fiscais.
-Além do presidente e do vice, serão eleitos 137 deputados para a Assembleia Nacional Legislativa.
-Também serão eleitos cinco parlamentares andinos (a Comunidade Andina congrega Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru) para o período entre 2017 e 2021.
-Para não haver segundo turno em 2 de abril, o vencedor deste domingo deve ter mais que 50% ou 40% dos votos válidos, mas, neste caso, com diferença de 10 pontos em relação ao segundo colocado.