Começou na última terça-feira o calendário eleitoral latino-americano. No Equador, iniciou-se oficialmente a campanha para as eleições de 19 de fevereiro, e, seja qual for o resultado, um fato já é certo: o presidente Rafael Correa, um dos mentores e pilares do "bolivarianismo" na América do Sul, fará sua despedida.
Economista, Correa está no poder desde 2007. Poderia cobiçar o quarto mandato, mas decidiu parar por aqui – o motivo seria familiar (viverá na Bélgica, país da sua mulher) ou os sinais de que, depois de duas eleições ganhas em primeiro turno e de atingir 80% de popularidade, ele perdeu fôlego caindo 20 pontos na avaliação popular em meio à crise econômica resultante da queda no preço do petróleo.
Com sua saída, há mais uma mudança importante não apenas no Equador, mas em todo o quadro político sul-americano. Segue-se a episódios como a eleição do argentino Mauricio Macri e o impeachment da brasileira Dilma Rousseff. Na Venezuela, o desgaste de Nicolás Maduro já poderia ter levado ao seu afastamento, caso o governo não houvesse barrado o referendo revogatório do meio de mandato.
– Na América Latina, há forte repercussão, na política, do fim de um ciclo econômico. Tivemos uma década de prosperidade impulsionada pela gigantesca demanda chinesa. Com a crise mundial de 2008, essa demanda caiu, e os efeitos foram sentidos de forma especialmente intensa na América do Sul – diz o cientista político equatoriano Adrián
Bonilla, que, no caso específico do Equador, vê um governo que sai após deixar inédita estabilidade institucional, mas, ao mesmo tempo, uma oposição fragmentada que se apruma.
Já no final do ano, Chile e Honduras também terão eleições presidenciais. Em 19 de novembro, será eleito o sucessor da socialista Michelle Bachelet, que deixará o poder chileno após sua popularidade se ver corroída.
As primárias ocorrerão em julho, quando se poderá saber quem concorrerá ao Palacio de la Moneda. Os nomes mais cotados atualmente são os ex-presidentes Sebastián Piñera (de perfil conservador) e Ricardo Lagos (socialista como Bachelet). Caso sejam esses os candidatos, será uma eleição curiosa pelo inusitado de ex-governantes da era democrática se digladiarem nas urnas mantendo a tradição de duas grandes coalizões.
Uma semana depois da eleição presidencial chilena, será a vez de Honduras, em 26 de novembro. As internas partidárias ocorrerão em março, para que sejam definidos os nomes dos candidatos. Está em discussão, na Corte Suprema, se será possível a reeleição de Juan Orlando Hernández pelo Partido Nacional. Caso esteja habilitado, Hernández deve disputar o cargo com um velho conhecido dos brasileiros: o ex-presidente hondurenho
Manuel Zelaya, destituído pelo exército em junho de 2009 e acolhido na embaixada brasileira. Se o seu nome for confirmado, Zelaya concorrerá pelo partido Libertad y Refundación (Libre).
– São eleições-chave. Traçam o provável quadro de mudanças do continente e devem confirmar um novo ciclo político. Jogarão luz sobre o futuro da região – diz o historiador argentino Carlos Malamud.
Malamud lembra que, além das três eleições presidenciais neste ano, haverá grande efervescência política em outros importantes países pelo mesmo motivo, só que mirando mais adiante. Em 2018, será a vez de seis nações elegerem presidentes: Brasil, Colômbia, Paraguai, México, Venezuela e Colômbia.
Ex-vice cadeirante é a aposta dos "correístas"
Antes de todas essas eleições, 12,8 milhões irão às urnas para escolher, entre oito candidatos, o sucessor de Correa. E, paralelamente, haverá referendo para impedir que os funcionários públicos tenham dinheiro em paraísos fiscais. O presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Juan Pablo Pozo, define as duas votações como importantes. O referendo é, nas palavras dele, "processo histórico" – detentores de cargos eletivos terão um ano para se desfazer de ativos em paraísos, sob pena de exoneração. Também serão eleitos, na mesma ocasião, o vice-presidente, 137 deputados para a unicameral Assembleia Nacional Legislativa e cinco parlamentares andinos (da Comunidade Andina, que congrega Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru) para o período entre 2017 e 2021. Para haver segundo turno em 2 de abril, o vencedor de 19 de fevereiro deve ter mais que 50% ou, caso não consiga isso, 40% dos votos válidos e diferença de 10 pontos em relação ao segundo colocado.
A Alianza País, partido de Correa, não contando com o presidente, aposta em Lenín Moreno, vice-presidente entre 2007 e 2013 e com discurso social forte. Promete pensão a "todos os nossos velhinhos" e programa de saúde para os primeiros mil dias de vida dos recém-nascidos, ao custo de US$ 680 milhões anuais. Pesquisas indicam Moreno, que sofre de paralisia e usa cadeira de rodas, com entre 29% (instituto Market) e 36% (Cedatos) dos votos. Mas não seria o suficiente para evitar o segundo turno. Há 46% de indecisos.
– Em caso de segundo turno, haverá polarização forte, como há muito não se vê no país, e o resultado incerto – diz Adrián Bonilla.
O ex-banqueiro Guillermo Lasso (CREO), a ex-deputada Cynthia Viteri (Partido Social Cristão) e o general reformado e ex-prefeito de Quito Paco Moncayo (Esquerda Democrática) são os outros principais candidatos, entre o total de oito. A união entre Lasso (mais de 20% nas pesquisas) e Viteri (mais de 10%), ambos com discursos de melhoras na economia dolarizada e geração de empregos, seria certa. Os votos para Moncayo (10% das intenções) tendem a se dividir.
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Correa se despede
Rafael Correa é o presidente equatoriano que mais tempo ficou no cargo após a crise institucional que levou o país a ter sete governantes entre 1996 e 2007. Conseguiu várias vitórias nas urnas, incluindo as próprias eleições, duas das três em primeiro turno, e consultas populares para aprovar a atual Constituição, em vigor desde 2008. Em 2014, perdeu prefeituras de cidades importantes, como Quito e Cuenca. Já seriam indícios de que seu ciclo estava no fim.
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Argentina
Eleições parlamentares na Argentina, em outubro, renovarão metade da Câmara dos Deputados e um terço do Senado. O presidente Mauricio Macri espera conseguir resultados econômicos que lhe permitam a tão almejada maioria parlamentar. Por outro lado, a oposição peronista tem a meta de se reforçar com uma vitória.
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México
Quatro Estados mexicanos vão às urnas em 4 de junho. São México, Nayarit e Coahuila. Em Veracruz, as eleições são municipais. A votação no Estado do México é tida como essencial para o destino das presidenciais de 2018. Alguns nomes farão apostas regionais que os reforçarão ou enfraquecerão nacionalmente.
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Bolívia
Eleições jurisdicionais com voto direto na Bolívia, em novembro. Após uma pré-seleção nas Cortes, serão escolhidos integrantes para os tribunais Constitucional, Supremo de Justiça e Agroambiental. Será uma forma de se saber a força de Evo Morales, que decidiu voltar a tentar uma reforma constitucional que o habilite a se reeleger novamente.