Por linhas nem sempre retas e com alguns solavancos, a Colômbia amplia a mesa de negociações para uma pacificação mais sustentável, incluindo outros guerrilheiros e acolhendo ponderações da oposição de direita. Quem lê essas palavras e pensa no referendo do dia 2, em que o acordo entre governo e Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) foi derrotado, pensa que este texto é realismo fantástico. Nas duas semanas desde a consulta popular, porém, houve episódios favoráveis a uma grande concertação nacional.
Quais são esses fatos novos? 1) Encerrado o referendo, com votação facultativa, tanto o presidente Juan Manuel Santos quanto os dirigentes das Farc disseram que o processo continua. 2) Na votação facultativa, o "não" teve 50,2% dos votos válidos, mas as pesquisas davam vitória do "sim" no universo total dos votantes. 3) Santos ganhou o Nobel da paz como forma de incentivo. 4) Governo e oposição refratária ao acordo começaram a dialogar para definir um texto com alterações. 5) A segunda maior guerrilha, o Exército de Libertação Nacional (ELN), já negocia também o seu acordo de paz.
Na coluna de Léo Gerchmann, notíciass e análises de Colômbia e América Latina
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Analistas dizem que as peças vão se ajustando, e novas perspectivas se abrem. Manifestantes ganharam as ruas colombianas pedindo que o processo siga. O aperfeiçoamento do acordo pode ser mais inclusivo. As negociações com o ELN e a abertura de diálogo com a oposição são vistos como elementos importantes.
– O atual impasse será superado, e o presidente e seus companheiros nesse acordo irão manter o foco e avançar – comenta o alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, que está envolvido no pós-guerra, porque a Colômbia tem a maior população de deslocados internos do mundo (7 milhões de pessoas).
Nos últimos dias, centenas de pessoas foram se reunindo e acamparam na Praça Bolívar, no centro de Bogotá, para pedir a paz imediata e o cessarfogo bilateral definitivo entre governo e guerrilha. A maioria dos acampados são universitários. O grupo é mantido com a ajuda de civis e não recebe doações em dinheiro – apenas em alimentos e material necessário ao acampamento, como barracas e colchões.
O escritor peruano Mario Vargas Llosa escreveu artigo no jornal espanhol El País defendendo a continuidade das negociações e dizendo que "o mais desconcertante (...) não foram os poucos milhares de votos que derrotaram os que estavam a favor, mas os quase 63% de eleitores que se abstiveram de ir votar". E acrescenta: "É evidente que não há nem pode haver três quartas partes da Colômbia em favor dessa guerra que, há mais de meio século, causa estragos no país, com os milhares de mortos e feridos, os sequestrados e chantageados, o terrorismo, o obstáculo que significam para a vida econômica as vastas regiões paralisadas pelas ações armadas, a insegurança reinante e a letal aliança da guerrilha e o narcotráfico, fonte abundante de corrupção institucional e social".
Abstenção teria favorecido o "não"
O historiador argentino Carlos Malamud, que vive em Madri, vê a alta abstenção como o motivo do impasse.
– As fortes chuvas, provocadas pela passagem do furacão Matthew, afetaram a votação. Também houve triunfalismo da campanha do "sim" – diz o historiador especialista em América Latina, indicando uma "campanha do medo" promovida pelo ex-presidente Álvaro Uribe como decisiva ao enfatizar o "excesso de impunidade" dos ex-guerrilheiros.
Outro aspecto indicado por Malamud é a mobilização do "não" para fazer do referendo uma prévia da campanha presidencial de 2018. Como Santos tem a popularidade arranhada pelas próprias concessões feitas às Farc, esse elemento também pesou. O presidente tem aprovação popular de apenas pouco mais que 30% do eleitorado.
– Santos estava convencido de que venceria o referendo tranquilamente. Deveria ter atitude mais pedagógica, presença nas ruas, explicando nos povoados as vantagens da paz. Ter recebido o Nobel pode ajudar nisso. Também será importante que se aceitem modificações para melhorar os acordos, como os referentes à justiça transicional e à representação política dos guerrilheiros – acrescenta Malamud.
As principais críticas da oposição se dão em relação a dois aspectos: um é o das penas consideradas baixas, na justiça transicional, para os crimes mais graves cometidos por guerrilheiros, como sequestros, homicídios e estupros. Outro é a presença de representantes das Farc com, no mínimo, cinco integrantes na Câmara dos Deputados e cinco no Senado (mesmo que não consiga eleger esse número).
– A oposição transmitiu a sensação de impunidade e medo, e isso pesou no voto. Uribe deve fazer parte da mesa de negociações – diz a jornalista e professora universitária Ana Cristina Restrepo, que vê uma briga de egos entre o presidente e o ex-presidente.
O principal líder das Farc, Rodrigo Londoño (Timochenko), definiu como "até bom" que o acordo tenha sido rejeitado nas urnas, porque isso permite "esclarecer dúvidas" e envolver os abstencionistas (63% do eleitorado) no debate. Uribe falou sobre "acordo nacional", mas enfatizou que suas propostas se concentram em evitar que os guerrilheiros responsáveis por delitos atrozes tenham "impunidade total" e elegibilidade política. Já Santos se disse disposto a "buscar a paz até o último minuto" do seu mandato.