Uma classe de adolescentes palestinos começou a discutir o levante trágico de 1929, que exigia acesso ao Muro das Lamentações de Jerusalém, guiada por um novo livro didático, introduzido pelo grupo islamista Hamas.
Perguntado sobre o conflito, um dos 40 meninos respondeu, a toque de caixa: - O Al Buraq é de propriedade islâmica - , usando o nome muçulmano para o local, um dos mais sagrados do Judaísmo. Satisfeito, o professor então perguntou se os alunos boicotariam produtos israelenses, como os árabes o fizeram em relação ao comércio judaico em 1929 e um coro forte respondendo "Sim!" ecoou pela sala.
Pela primeira vez desde que assumiu o controle da Faixa de Gaza, em 2007, o Hamas alterou o currículo escolar aprovado pela Autoridade Palestina, usando novos textos como parte do projeto ambicioso de transmitir sua ideologia à próxima geração.
Entre outros pontos, os livros, usados por 55 mil crianças na faixa de 13-15 anos como parte da "educação nacional" mínima exigida das escolas públicas, não reconhecem o Estado moderno de Israel e nem mesmo menciona o Tratado de Paz de Oslo que o país assinou com a OLP nos anos 90.
Há muito os livros escolares são um dos pomos da discórdia no conflito Israel-Palestina, nos quais narrativas históricas e culturais conflitantes sustentam a disputa territorial e há vários exemplos do que os líderes israelenses chamam de "incitação" contra os judeus, representando mais um obstáculo às negociações de paz retomadas sob pressão norte-americana.
Além da visão de Israel, os novos textos também corroboram a guerra de influência entre as facções palestinas: o Hamas, de Gaza, e o Fatah, que domina a Autoridade Palestina e a Cisjordânia e refletem as divergências, cada vez maiores, entre o 1,7 milhão de palestinos que vivem na Faixa de Gaza, densamente povoada, e os 2,5 milhões espalhados entre as cidades e vilarejos da Cisjordânia.
"Os livros escolares sempre foram um meio importante de representação do etos nacional", afirma Daniel Bar-Tal, professor da Universidade de Tel. Aviva que liderou um levantamento recente feito no material pedagógico de israelenses e palestinos.
- Quando um líder fala alguma coisa, nem todos ouvem, mas quando se trata de livros escolares, ele expõe as crianças, principalmente de um grupo de características semelhantes, a um tipo particular de material. É uma arma muito poderosa. -
O que os jovens de Gaza estão lendo nas 50 páginas do livro escolar de capa dura inclui referências de que o Torá e o Talmude foram "fabricados" e a descrição do Sionismo como um movimento racista cujo objetivo é expulsar os árabes da área entre o rio Nilo, na África, e o Eufrates no Iraque, Síria e Turquia.
A "Palestina", por sua vez, é definida como um Estado muçulmano que se estende do rio Jordão ao Mar Mediterrâneo e inclui uma lista de cidades como Haia, Bereba e Acre, todas dentro do território de Israel segundo as fronteiras definidas após a Guerra da Independência, de 1948. Os livros refutam também as reivindicações históricas dos judeus dizendo: "Os judeus e o movimento sionista não tem nada a ver com Israel porque seus filhos são parte de uma nação que foi aniquilada."
Em termos de história contemporânea, também exagera ao contar a batalha do Hamas com Israel no ano passado, afirmando que os foguetes lançados a partir de Gaza forçaram "três milhões de sionistas a se esconder debaixo da terra durante oito dias" (um número bem menor de israelenses entraram e saíram dos abrigos esporadicamente); que Tel. Aviva foi atingida (um míssil caiu no mar e o outro não teve fôlego para chegar até lá) e que o ataque ao Parlamento de Israel "forçou os sionistas a implorar um cessar-fogo".
Yosef Kuperwasser, autoridade do governo israelense que denunciou a campanha de incitação, disse que os livros são expressões mais radicais de uma mensagem perigosa transmitida pelas escolas palestinas e pela imprensa.
- Os palestinos desenvolveram um sistema enganador: para o pessoal que fala inglês eles contam uma história, mas entre si contam outra - , revela Kuperwasser. - Os livros escolares são uma ferramenta que usam para contar às crianças a verdade que querem enxergar. A paz verdadeira só será conquistada com uma mudança real nessa cultura do ódio -
O estudo liderado por Bar-Tal descobriu que os livros da Autoridade Palestina geralmente contêm mais caracterizações negativas de Israel do que o contrário, mas que ambos encaram o outro como inimigo e não mostram a maioria dos mapas nem dão informações sobre sua religião, cultura e vida diária.
Os membros do Hamas disseram que lançaram o novo material e dobraram o tempo dedicado ao curso de educação nacional, que passou a duas aulas/semana porque acreditavam que a Autoridade Palestina estava sendo pressionada por Israel a "limpar" o currículo. - É preciso garantir que as gerações futuras briguem pelos direitos nacionais - , explica Huda Naim, do Hamas.
A Faixa de Gaza abriga 465 mil estudantes. A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina administra 250 escolas de ensino básico e médio, enquanto o governo controla 400 (incluindo 46 que são particulares). Tanto o Hamas como a agência usam o currículo da Autoridade Palestina, que também é obedecido na Cisjordânia, mas o primeiro acrescentou alguns programas como o treinamento militar eletivo, introduzido no ano passado, cujo foco é a resistência contra Israel.
Em abril, o Hamas aprovou uma nova lei exigindo escolas diferentes para meninos e meninas a partir dos nove anos e criminalizou qualquer contato entre as instituições educacionais e Israel; além disso, reforçou as patrulhas de inspeção das vestimentas nos campi das universidades e para impedir que jovens solteiros de ambos os sexos "se confraternizem" em público.
Abdel-Hakim Abu Jamous, porta-voz do Ministério da Educação da Autoridade Palestina em Ramallah afirmou que as escolas da Cisjordânia não usam livros; cabe a cada professor montar a aula como quiser. Jehad Zakarna, também do Ministério, disse que nunca viu o material do Hamas introduzido no início do ano letivo, em vinte de agosto e, portanto, não poderia comentar.
Os novos livros, escritos por um comitê especial, traz na capa imagens da Mesquita Al Aqsa, em Jerusalém, e a Gruta dos Patriarcas em Hebron, dois locais em conflito permanente por causa de muçulmanos e judeus.
Além do tratamento duvidoso que dá a Israel e aos judeus, os livros apresentam uma versão "adaptada" sobre a política palestina e a história recente: por exemplo, a Ahmed Yassin, um dos fundadores do Hamas, é dado prestígio e importância semelhantes aos de Yasser Arafat, ex-presidente palestino e herói nacional indiscutível na Cisjordânia.
Anound Ali, estudante de 16 anos de Gaza, teme que o novo material divida ainda mais os palestinos. - Os livros escolares eram uma das poucas coisas que ainda nos unia à Cisjordânia; agora nem isso porque aprendemos coisas diferentes - , lamenta ela.
E acrescentou: - O livro nem fala sobre Oslo. É nosso direito saber sobre o acordo; faz parte da nossa vida. -
Já na escola Suliman Sultan, em Gaza, um prédio de três andares em formato de L que dá para os destroços de um estádio atingido por um ataque aéreo israelense em novembro de 2012, os alunos e professores estão empolgados com o novo material.
- Mostra a crueldade da ocupação - , diz Ahmed Bessisso, um garoto de quinze anos da classe que discutia o levante de 1929, - e encoraja os alunos a participarem das atividades nacionais -
Conflito ideológico
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