Macías revê fotografias de sua infância na Coreia do Norte.
Foto: Jean Chung/IHT/NYTNS
Monica Macías chama a si mesma de filha de ditadores. Dois deles.
O seu pai foi Francisco Macías Nguema, o primeiro presidente da Guiné Equatorial, cujo governo foi marcado pela execução de milhares de pessoas. No entanto, o homem que se tornou o seu guardião, e figura paterna, foi ainda mais infame: Kim Il Sung, o fundador da Coreia do Norte e criador de uma distopia orwelliana da vida real dos gulagui e de quase total controle das informações.
Macías foi parar nos cuidados de Kim quando o pai dela pediu a Kim para supervisionar a educação de três dos seus filhos. Como muitos na era da Guerra Fria do terceiro mundo, o líder africano admirava Kim. Logo depois, o pai de Macías foi derrubado e executado, mas Kim cumpriu a promessa, educando as crianças em uma das melhores escolas do Norte.
Agora aos 41 anos, Macías - que deixou a Coreia do Norte após a faculdade - tem dificuldade em acreditar que o seu pai era tão "maligno" como as pessoas dizem, e já teve pelo menos tanto trabalho em conciliar o norte coreano que ela via como um patrono bondoso com o ditador que trancafiava o seu próprio povo.
- Se me perguntar sobre o politico Kim Il Sung, me oponho a ele porque ele errou. Entretanto, se me perguntarem sobre Kim Il Sung como pai, sou sempre grata a ele por me proteger, alimentar e me educar. Ele é um homem que cumpriu sua promessa a um amigo falecido - Macías disse recentemente durante uma entrevista em coreano, que ela considera ser a sua língua materna.
De quase todos os ângulos, a vida de Macías foi incomum, uma vida na qual ela sempre foi uma espécie de forasteira. Ela chegou à Coreia do Norte aos sete anos, uma criança africana em um dos países mais homogêneos do mundo. As crianças do bairro a chamavam de "pretinha" ou de "cabeça de ovelha". E quando ela partiu após 15 anos, Macías contou, ela pensava, sentia e falava como norte-coreana em um mundo que considerava o Norte um Estado pária e no qual os dois "pais" eram vilipendiados como os piores ditadores que o mundo já conheceu.
Esse abismo a inspirou a escrever a crônica de sua vida em "I am Monica From Pyongyang (Eu sou Monica de Pyongyang em tradução livre, ainda sem título em português)", um livro de memórias escrito em coreano publicado em agosto.
A odisseia das crianças começou em 1979. Ela, a sua irmã e o irmão - Maribel e Paco - viajaram para Pyongyang, a capital da Coreia do Norte, juntamente com a mãe, que foi para uma cirurgia que era considerada mais segura na relativamente desenvolvida Coreia do Norte (O país ainda estava bem o bastante, com a economia controlada pelo governo sustentada pelo comércio com e o apoio da União Soviética).
Macías se lembra de Kim os acolhendo calorosamente, lhe dando tapinhas na cabeça, presenteando cada criança com um relógio de pulso Ômega gravado com o seu nome, e lhes fornecendo um Volvo guiado por um chofer. Quatro meses depois, o seu pai foi morto, e a sua mãe retornou para casa a fim de tentar proteger o filho mais velho.
Os filhos Macías mais novos foram matriculados na Escola Revolucionária de Mangyongdae em Pyongyang, reservada aos filhos dos mais leais ao governo. Lá, eles aprenderam a atirar com AK-47, e aprenderam sobre os "pecados" do Ocidente e da Coreia do Sul. Macías sentia falta da mãe e frequentemente chorava à noite no travesseiro, porém se sentia bem cuidada.
Ela se lembra de encontrar com Kim frente a frente apenas três ou quatro vezes, todas antes de começar a escola, contudo ele acompanhava o bem-estar dos filhos Macías através do seu Secretariado.
- Kim Il Sung nos enviava presentes nos feriados e ingressos de teatro de final de ano, e assistíamos a apresentação algumas fileiras atrás dele. Não nos faltava nada, embora os nossos movimentos e contatos com os norte-coreanos comuns fossem bastante limitados - Macías declarou.
Ela lembra que os alunos locais eram designados a espionar os estrangeiros, mas ela não se ofendia porque as crianças norte-coreanas sempre tentavam proteger os seus amigos estrangeiros contra castigos.
Então, na faculdade, a fé de Macías começou a vacilar.
Com a sua matrícula na Universidade de Pyongyang de Indústria Leve, ela se mudou para um hotel onde alunos de países como a China e a Síria eram hospedados.
Com o controle estatal dos alunos estrangeiros bem menos rígido do que o restante da população, ela conseguiu assistir "Rambo" e outros filmes americanos e ouvir música sul-coreana que os novos alunos traziam furtivamente.
Uma vez, quando ela criticou um aluno da Síria por se sentar sobre um jornal que tinha a foto de Kim - um crime grave para os norte-coreanos - ele retrucou, "Isso é porque você só morou em Pyongyang!", ela recorda.
A sua curiosidade sobre o mundo externo aumentou após uma visita de duas semanas a Pequim em 1988 para visitar um primo que era embaixador da Guiné Equatorial. No primeiro dia, ela se deparou com um americano e fugiu assustada pelos anos de exposição aos livros escolares pintando os americanos como demônios com sede de sangue. Porém, depois, ela começou a perceber que os americanos e os sul-coreanos que ela via pareciam "tão descontraídos", comparados com os norte-coreanos.
De volta a Pyongyang, ela começou a se sentir desconfortável. O outdoor que ela via todas as manhãs de sua janela exortava: "O partido decide, nós seguimos!" O primeiro outdoor que ela percebeu em Pequim não tinha mensagem política, apenas uma mulher belamente maquiada. De repente, os norte-coreanos pareciam "pessoas lendo roteiros em um cenário gigante de cinema".
Ela começou a fazer mais perguntas aos alunos estrangeiros, e finalmente decidiu que precisava sair para descobrir a verdade por si mesma. Quando a formatura se aproximou, Kim mandou avisar que ela estava livre para ficar ou ir uma vez que a sua educação estivesse completa; ela respondeu que gostaria de se mudar para a Espanha. Após tomar aulas de espanhol, ela partiu em 1994. Os presentes de despedida de Kim incluíram uma passagem de avião para Madri e dinheiro o bastante para durar seis meses.
Não muito tempo depois, em uma breve estadia na Guiné Equatorial, ela ouviu que Kim tinha morrido. Ela e Paco queimaram incenso na Embaixada da Coreia do Norte e se inclinaram diante do retrato de Kim. Ela chorou.
- Não importa o que as pessoas falem sobre ele, ele foi como um pai para nós. Ele me disse para estudar muito e para me tornar uma mulher digna - declarou.
Desde então, Macías tenta fazer sentido da sua infância, e encontrar o seu lugar no mundo. Ela morou na Espanha por 10 anos, depois se mudou para os Estados Unidos. Enquanto estava em Nova York, contou ela, foi contratada para trabalhar em um jardim de infância por pessoas que não conheciam o seu histórico.
Todavia, ela não se sentiu verdadeiramente em casa até mudar para a Coreia do Sul em 2007. Ultimamente, Macías, que é solteira, divide o seu tempo entre Seul; Guiné Equatorial, onde os seus irmãos estão; e a Espanha, onde a sua mãe e irmã vivem. Ela ganha a vida exportando tecidos da Coreia do Sul para outros dois países.
Ela evita discussões políticas sobre os seus pais. Contudo, encontrar o seu lugar incluiu se conformar com as reputações deles. Ela ficou "deprimida e chorou por três dias" após descobrir na Espanha que Kim tinha iniciado a Guerra da Coreia - e não os "imperialistas" americanos e as suas "marionetes" sul-coreanas. Ela não acreditou nos seus amigos espanhóis quando lhe contaram, mas uma visita à uma biblioteca provou que eles estavam certos.
Em 2004, com saudade de casa, ela retornou a Pyongyang como turista. Os olhos se encheram de lágrimas quando viu Pyongyang da janela do avião. Ela não pôde viajar livremente ou encontrar nenhum dos seus colegas de escola, porém encontrou a sua antiga cabelereira, que lhe deu um corte de graça. O próprio corte da cabelereira, ela notou, não tinha mudado em 10 anos.
- Foi triste como Pyongyang parou no tempo enquanto eu tinha mudado tanto - disse.