Um comentário postado no Facebook por Steve Hofmeyr, um popular músico africâner, sob o título "minha tribo está morrendo", suplicava por alguma forma de apuração dos fatos.
Teriam brancos sul-africanos realmente sido abatidos "como moscas"? Será que um fazendeiro branco é de fato assassinado a cada cinco dias no país?
Julian Rademeyer, jornalista investigativo veterano, é editor responsável pela região sul-africana no Africa Check, um novo site que está tentando trazer para esta parte do mundo o mesmo compromisso com a apuração jornalística que grupos como o PolitiFact e o FactCheck.org trouxeram para os Estados Unidos. Colocando dúvidas quanto às afirmações de Hofmeyr no Facebook, Rademeyer encomendou uma investigação.
O grupo descobriu que os melhores dados disponíveis sugerem que os brancos não estavam morrendo em números tão altos, e os números certamente nem de longe alcançavam o índice informado por Hofmeyr. De fato, as evidências apresentadas por Hofmeyr foram baseadas em um artigo duvidoso, publicado há dez anos, que tinha circulado em sites de extrema-direita sob a assinatura de um suposto "jornalista negro" que ninguém conseguiu localizar e que parecia ter escrito apenas aquele único artigo em toda a sua carreira.
- As alegações são incorretas e grosseiramente exageradas - declarou o Africa Check, contando com o trabalho de uma pesquisadora freelancer, Nechama Brodie.
A África do Sul tem uma longa história de jornalismo corajoso e sofisticado, que remonta à luta contra o apartheid e continuou durante as primeiras décadas da democracia multirracial. Até agora, porém, não houve nada parecido com o tipo de iniciativa de apuração de fato apartidária que se tornou tão proeminente - e controversa - nos Estados Unidos e na Europa.
- Trabalhei na Nigéria durante cinco anos - disse Peter Cunliffe-Jones, que supervisiona o Africa Check de seu escritório na Fundação AFP, patrocinador e principal benfeitor do grupo, em Londres.
- Fui ficando cada vez mais frustrado com o que eu chamo de jornalismo baseado em declarações, no qual um ministro diz algo ridículo, a oposição diz algo igualmente ridículo e ninguém sabe o que é verdade, afinal - e, certamente, o jornalista não diz ao leitor onde a verdade está entre eles.
A tarefa, ele e Rademeyer reconhecem, é mais difícil na África do que na Europa e na América do Norte, onde ao menos existe uma cultura de responsabilidade e algum apreço pela transparência. Ainda assim, na África do Sul, pelo menos, existe um conjunto de dados do governo que, por mais imperfeito que seja, ainda pode ser investigado.
- O Africa Check não tem a mesma força que o PolitiFact tem nos EUA, mas está começando a ter algum impacto. Eu o considero uma excelente iniciativa, e acho que se eles desenvolverem um pouco a sua capacidade jornalística e focarem em alguns dos temas, personalidades e reivindicações mais importantes, eles vão se tornar uma força muito relevante - disse Nic Dawes, editor do jornal The Mail and Guardian em Johanesburgo.
O Africa Check começou como uma organização sem fins lucrativos em junho de 2012 após a empresa ganhar algum capital de arranque em um concurso patrocinado pelo Google para melhorar a captação de notícias na África. O site opera em parceria com o curso de jornalismo da Universidade de Witwatersrand, em Johanesburgo, já que parte de sua missão é preparar aspirantes a jornalistas para apurar a veracidade das declarações dos dirigentes políticos e meios de comunicação.
- Observamos o que ocorreu com o movimento pró-apuração de fatos primeiro nos EUA e agora na Europa, e tivemos a certeza de que os africanos, assim como as pessoas de todas as partes do mundo, precisam de informações precisas para tomar decisões. Queríamos fazer algo a respeito disso - disse Cunliffe-Jones.
Por ora, o Africa Check tem um jornalista em tempo integral, Rademeyer, um pesquisador e um grupo de peritos e profissionais liberais que colaboram conforme necessário. Rademeyer trabalha em casa, embora o grupo espere abrir um escritório em breve.
Também há planos de que o grupo chegue a outros países vizinhos da África do Sul - e, talvez, ao longo do tempo, venha a alcançar o resto da África, anunciou Cunliffe-Jones.
Rademeyer disse que o grupo pretende publicar duas matérias investigativas semanalmente, apesar de hoje, com sua equipe limitada, eles estarem conseguido publicar com uma periodicidade um pouco menor.
O Africa Check despertou algumas reações de ira, contou Rademeyer. A reportagem sobre Hofmeyr, por exemplo, suscitou ameaças postadas na página do Facebook do grupo e insultos antissemitas (o freelancer que fez a pesquisa era judeu).
O grupo já produziu matérias sobre algumas das principais personalidades políticas da África do Sul (observando, por exemplo, que o presidente Jacob Zuma exagerou ao mencionar o número de escolas que está sendo construído em uma província rural) e grandes meios de comunicação (destacando-se uma reportagem da BBC que divulgou estimativas incorretas de um grupo de direita sobre quantos brancos sul-africanos estavam vivendo em acampamentos).
Uma das primeiras investigações do grupo envolveu uma reportagem publicada no jornal The Sowetan que dobrou o percentual de adolescentes negros no país com o vírus HIV, informação replicada em jornais de todo o mundo.
- O mais triste é que os dados verdadeiros já eram horríveis o suficiente - disse Rademeyer.
O Africa Check também averigua alegações mais triviais. Costuma-se dizer, por exemplo, que Johanesburgo - situada a cerca de 1.828,8 metros ao longo da região do Highveld, quase sem árvores - constitui a maior floresta artificial do mundo. (Isso certamente não é verdade, concluiu o Africa Check.)
Algumas das investigações menos graves, por vezes, esbarram em algo mais grave. Tentando dar um basta ao interminável debate na África do Sul sobre quais motoristas da cidade são os piores, o Africa Check descobriu que as estatísticas de tráfego do país estavam um caos, disse Rademeyer.
- Por causa da falta de recursos, temos de focar nas filigranas das informações. Não é fácil. Por enquanto, tentamos fazer o que podemos - disse ele.
A necessidade de mais fatos e menos afirmações fantasiosas está se tornando mais aguda, disse ele.
- A imprensa e o governo foram se afastando cada vez mais na África do Sul, o que é muito desagradável. Houve uma transparência impressionante entre 1996 e 1999, mas quando Mandela deixou o cargo, a situação piorou nos governos de Thabo Mbeki e Zuma - disse Rademeyer.
Somando-se isso a cortes feitos por jornais locais, sobram ainda menos pessoas para fazer o tipo de apuração de fatos necessária para que se chegue ao fundo das coisas.
- Temos recebido cada vez mais respostas. Estamos sendo mais citados nos jornais locais. Nosso papel é de fato fazer com que as pessoas pensem mais criticamente sobre o que está sendo dito, e nós temos percebido alguns sinais disso - disse Rademeyer.