Revelações de Edward Snowden, ex-técnico da Agência Nacional de Segurança (NSA), confirmaram o que já rondava a ficção: alguém, neste momento, pode estar de olho no que você faz. Essa realidade se materializa há uma semana com a repercussão das denúncias de Snowden, que expôs o Prism, um complexo e sigiloso sistema de vigilância orquestrado pelo governo dos Estados Unidos, com a participação de nove das maiores empresas de tecnologia do país.
- O sistema desenvolvido pelo governo dos Estados Unidos é tão completo que, se assim desejarem, eles podem acompanhar ideias se formando na tela do seu computador pessoal - exagera Snowden.
É como se todos se encontrassem no filme O Show de Truman (1998), no qual Jim Carrey interpreta um homem que, sem saber, tem sua vida transmitida 24 horas por dia para bilhões de pessoas. Tanto as ficcionais vidas de Truman e de Winston Smith, protagonista do romance 1984, monitorado durante um regime totalitário, viram realidade no caso Prism. A vida de pessoas comuns é um pequeno espetáculo privado, em que variados tipos de instituições têm acesso a minúcias da intimidade de internautas.
Os detalhes do monitoramento, que abrange milhões de pessoas em todo o mundo, incomodaram chefes de Estado, atiçaram ONGs e expuseram gigantes do Vale do Silício. A parceria de entidades públicas com empresas como Google, Apple e Facebook revela a fragilidade de quem usa a rede para trocar informações pessoais com a naturalidade de uma conversa entre amigos. Além disso, com sistemas de geolocalização se tornando parte do cotidiano, operações de rastreamento ficam mais rápidas e completas. Basta haver interesse na atividade do alvo.
Enquanto americanos se dividem - pesquisa realizada pelo Pew Research Center de quinta-feira a domingo mostrou que 56% das pessoas ouvidas aprovam a espionagem de dados pessoais -, os brasileiros se descobrem em um universo do qual talvez nem imaginassem fazer parte.
- O caso é mais grave do que a maioria das pessoas pensa - diz Ronaldo Lemos, especialista em segurança na internet da Fundação Getulio Vargas.
Nesse ambiente, a falta de leis que respondam às transformações nos costumes e na tecnologia para garantir proteção aos cidadãos digitais tornam nebulosos os limites reais do mundo virtual.
Perguntas e respostas
Saiba mais sobre o Prism e como ele pode afetar os usuários brasileiros
O Prism pode afetar o usuário brasileiro?
Sim. O programa de vigilância chamado Prism, mantido em sigilo pelo governo dos EUA, abrange usuários do mundo inteiro, incluindo os brasileiros. Muitos dos serviços de internet armazenam seus dados diretamente nos EUA, sob a jurisdição americana. Isso significa que, mesmo que a lei brasileira o proteja, seus dados estão sob os cuidados da lei americana, que autoriza o compartilhamento dessas informações.
Quantas companhias são afetadas e que dados podem ser monitorados?
Nove companhias, segundo o governo americano, teriam aderido voluntariamente ao programa: Microsoft, Yahoo, Google, Facebook, PalTalk, YouTube, Skype, AOL e Apple. A Agência Nacional de Segurança e o FBI podem acessar, por exemplo, chats, fotografias, documentos e dados de conexão que permitam aos analistas rastrear alvos estrangeiros.
Alguém está lendo meus e-mails, mensagens no Facebook, etc.?
Não necessariamente, mas pode estar. É impossível que todos os conteúdos trocados sejam vigiados. Porém, se algum órgão governamental tiver interesse em seus dados pessoais, terá livre acesso a eles.
Como isso pode me afetar de maneira prática?
Depende. Ninguém sabe ao certo quais são os interesses de quem tem acesso a esses dados e para que fins eles estão sendo utilizados. No caso de solicitação de visto americano ou de uma entrevista de emprego em uma empresa dos EUA, por exemplo, informações que você trocou com outros usuários da internet podem, sim, ser usadas para avaliar os seus comportamentos e intenções.
Esse tipo de quebra de privacidade é legal?
Nos Estados Unidos, sim. O Prism foi autorizado nas emendas de 2008 ao Ato de Vigilância de Inteligência Estrangeira - ao contrário dos programas de vigilância expedidos sem mandado na gestão de George W. Bush. O programa tem autorização do Congresso para funcionar até 2017.
Existe alguma lei no Brasil que proteja o usuário?
Não. O Brasil não tem uma legislação abrangente que trate da proteção de dados. Existe um esboço de projeto de lei no Ministério da Justiça, mas está parado e sem previsão de ser enviado ao Congresso.
Entidades brasileiras podem acessar dados?
Sim. A Anatel criou um sistema que registra todos os dados das chamadas por celular dos usuários brasileiros, montando um grande banco de dados. A justificativa é fiscalizar o serviço, mas uma vez que o banco de dados existe, nada impede que possa ser requisitado à Justiça por autoridades. A Anatel também obriga os provedores da internet a guardarem os registros de conexão dos usuários, especificamente para fins de investigação.
Quem autoriza a criação deste tipo de programa?
Depende. Enquanto nos EUA as decisões foram tomadas pelo Congresso, no Brasil, estão sendo tomadas por uma entidade administrativa, deixando o Legislativo, que tem competência para tratar da questão, de lado.