Paris - A Sciences Po já era um renomado local de aprendizado muito antes de Richard Descoings se tornar diretor. O presidente François Hollande é ex-aluno, por exemplo, bem como os três homens que o precederam como chefe de Estado, em conjunto com pelo menos uma dezena de primeiros-ministros franceses das últimas décadas.
Porém, Descoings estava decidido a transformar a faculdade quando chegou, em 1996, reformando uma instituição profundamente francesa à imagem de uma universidade dos Estados Unidos, cortejando alunos e professores estrangeiros, aumentando o corpo discente e dando início a uma revolucionária política de ação afirmativa.
Ele trouxe a aclamação internacional para a Sciences Po, cujo nome formal é Institut d'Etudes Politiques de Paris, e também para si mesmo, embora suas modificações por vezes fossem vistas ceticamente na capital francesa.
Ele era tido como visionário - um inovador divisor no mundo às vezes sombrio da burocracia educacional francesa - mas tinha um quê de autocrata. Quando morreu vítima de um ataque cardíaco, aos 53 anos, num quarto de hotel de Nova York na última primavera do Hemisfério Norte, a Sciences Po mergulhou em confusão.
Desde então, num escândalo que abalou seu legado e envergonhou o instituto, uma auditoria governamental demonstrou que a mudança supervisionada por Descoings foi às vezes acompanhada pelo esbanjamento de dinheiro público, que ajudou a bancar um aumento considerável para si mesmo e desembolsos vagamente justificados de muitos outros.
O novo governo socialista tomou o controle da Sciences Po, em novembro, e a colocou numa espécie de concordata, enquanto uma busca contestada e confusa pelo sucessor de Descoings se arrasta.
- Todos podem exultar com o sucesso obtido e o dinamismo que a instituição tem mostrado - disse Didier Migaud, presidente do órgão equivalente ao Tribunal de Contas da França - Porém, esse sucesso tinha um lado oculto que o Cour foi obrigado a também mostrar.
A Sciences Po faz parte de uma pequena lista de alternativas prestigiosas ao sistema universitário público francês. As universidades públicas são abertas a todos os estudantes aprovados no exame de conclusão do ensino médio, o baccalaureat, e o ensino é quase gratuito. Esse não é o caso da Sciences Po, onde o vestibular é famoso pela dificuldade e a anuidade pode chegar a US$ 13 mil para alunos de graduação, muitos dos quais foram aprovados somente após pagar cursos preparatórios caros.
Entretanto, as revelações envolvendo os anos de 2005 a 2010 colocaram em jogo o futuro da escola. Em meio à acusação segundo a qual um grupo de administradores graduados manobrou para colocar seu homem como chefe do instituto após a morte de Descoings, o governo nomeou um diretor provisório para supervisionar as operações do dia a dia e guiar a seleção de um novo líder. Representantes da escola e outros acadêmicos se preocupam com o fato de o governo pretender manter o controle, quem sabe até prejudicando a capacidade da Sciences Po competir internacionalmente.
Existe uma concordância ampla segundo a qual os sucessos recentes da escola brotavam da visão e do estilo de liderança de Descoings.
- Ele tinha uma vontade ardente de inovar - disse Herve Cres, ex-auxiliar de Descoings que atuou como diretor interino após sua morte - Descoings delegava quase nada e era reticente quanto a escrever regras de procedimento que poderiam tê-lo impedido de agir rapidamente.
- Não havia um número dois na Sciences Po - afirmou um representante do governo envolvido diretamente com a gestão da crise - É uma escola que dependia de um homem só.
Descoings disse buscar oferecer novas abordagens para um mundo mutante. Ele triplicou o número de estudantes, chegando a 12 mil - praticamente a metade destes é composta por alunos estrangeiros - e expandiu o ensino em inglês.
O orçamento anual cresceu na mesma medida, praticamente dobrando desde 2005, com a elevação dos subsídios estatais e um aumento acentuado na anuidade. Porém, Descoings também expandiu a ajuda financeira e, em 2001, introduziu um programa de ação afirmativa voltado a estudantes de áreas pobres dos arredores de Paris, o primeiro do gênero no ensino superior francês.
Enquanto os salários das universidades públicas são regulamentados pelo Estado, os professores da Sciences Po recebem salários competitivos. De acordo com o governo, vários dos problemas financeiros da universidade brotaram da "preocupação" com a oferta das "condições de vida mais atraentes possíveis" para possíveis contratações, principalmente de professores estrangeiros.
O pagamento de horas extras nem sempre era justificado - às vezes os professores recebiam o dobro, o triplo ou o quádruplo da quantia habitual por aula - e aumentos de salários e bônus eram distribuídos com poucas justificativas registradas.
O pagamento de Descoings também cresceu abruptamente entre 2005 e 2010, passando de US$ 412 mil anuais para mais de US$ 700 mil, cinco vezes mais do que os mais bem pagos reitores das universidades públicas.
No final de 2010, a Sciences Po também possuía uma dívida de US$ 69 milhões, US$ 20 milhões oriundos de um empréstimo bancário considerado "especulativo e perigoso", segundo Migaud, o chefe dos auditores. Segundo ele, pelo menos parte dessa soma é considerada dívida pública, mas o empréstimo foi tomado sem nem sequer "consultar ou informar" a diretoria do instituto.
Apesar de toda a crítica póstuma a Descoings, ele era admirado pelos alunos e acadêmicos, e ainda se escutam muitos elogios a ele. Em artigo publicado pelo jornal "Le Monde", em dezembro, um grupo internacional de acadêmicos saudou ao Sciences Po como "um modelo de esperança na sociedade francesa".
Eles questionaram - É possível, na comunidade universitária global e até mesmo na estrutura nacional, viver sem o que a Sciences Po de Richard Descoings representa?
Uma comissão governamental vai definir punições aos excessos durante o mandato de Descoings como diretor. Multas, ainda que baixas, são esperadas para alguns dos administradores mais graduados. Mais problemático para a Sciences Po, no entanto, é o fato de o governo buscar modificar os regulamentos da universidade para garantir uma maior supervisão estatal, incluindo a presença de representantes oficiais nas suas diretorias.
- É nítido que o que está em jogo hoje em dia é a capacidade de a Sciences Po permanecer confiável no universo das grandes universidades internacionais - disse Cres, o ex-auxiliar de Descoings.
Jean Gaeremynck, nomeado pelo governo para o lugar de Cres, discordou.
- Não temos temores de nenhuma espécie - afirmou Gaeremynck em entrevista, observando que os futuros alunos pareciam inabaláveis.
Segundo ele, as inscrições de estudantes franceses cresceram acentuadamente este ano. O mesmo também parece válido para as inscrições de alunos estrangeiros.
Afinal, a classe política sempre esteve profundamente entranhada na Sciences Po, especialmente porque muitos políticos e autoridades são professores ou ex-alunos, incluindo diversos membros do órgão responsável pela auditoria. E o novo diretor da universidade, seja ele quem for, somente pode ser confirmado por decreto presidencial.
The New York Times
Escândalo financeiro abala prestígio de universidade na França
Universidade exigente de Paris, a Science Po é um dos pontos de entrada de maior prestígio para a elite política, intelectual e econômica francesa
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