Veneza, Itália - A elite de Veneza se reuniu no começo de dezembro para celebrar a carreira de um nativo, Pierre Cardin, que completou 90 anos nesse verão. Ao invés de celebrar glórias passadas, o estilista - que já emprestou seu nome a terninhos, vasos sanitários e cigarros, assim como para a alta costura - usou a ocasião para seu próximo negócio de risco: planos para um imponente palazzo que irá, espera ele, guiar Veneza para o futuro.
Se for construído, o projeto, chamado Palais Lumiere, será uma estrutura reluzente de apartamentos, hotéis, espaços comerciais e até mesmo uma universidade de moda, e transformaria a área industrial degradada ao redor da lagoa veneziana. Cardin descreveu o Palais, que na verdade são três estruturas ligadas por seis discos lisos e chatos, como uma "escultura habitável" e disse que era um sonho dele.
Enquanto muitos em Veneza aceitaram bem as ambições de Cardin, o projeto alarmou conservacionistas e deu início a um debate inflamado sobre as perspectivas de uma cidade valiosa e que já teve muito poder, que está ameaçada por uma população em declínio, turismo em massa e crescentes níveis do mar. Alguns renomados historiadores de arte, arquitetos e intelectuais da Itália já escreveram para o presidente Giorgio Napolitano pedindo a ele que vetasse o projeto.
O plano de Cardin recebeu aprovação informal dos políticos locais mas ainda espera pelo veredito do Ministério da Cultura italiano. Se tudo der certo, a construção pode começar já no início do ano que vem.
As preocupações dos que se opõem são, em grande parte, estéticas. O Palais colossal - inspirado na imagem de três flores em um vaso, amarradas por uma fita - foi ridicularizado como sendo ultrapassado, caricato e até "superfálico".
Mas muitos temem que o projeto também possa colocar em perigo o frágil ecossistema da lagoa e obstruir uma das paisagens mais singulares do mundo, criada ao longo de "séculos de interação entre terra firme e o alto mar", explicou Marco Parini, presidente nacional do Italia Nostra, um grupo que defende o patrimônio histórico da Itália.
É uma "harmonia delicada que corre o risco de perder o equilíbrio", Parini disse. - Você consegue imaginar um arranha-céu no Monument Valley?
As dimensões do projeto são tão grandes que os responsáveis terão que refazer rotas e linhas de trem de Porto Marghera, a área onde o Palais Lumiere seria construído, a cerca de 8 km do coração da cidade.
Cardin, que está financiando o projeto, cujo custo é estimado em 2,6 bilhões de dólares, não se importa com tais críticas. Ele lembra a quem quiser ouvir que seu retiro peculiar em Cannes, França, o Palais Bulles, desenhado por Antti Lovag, foi considerado "tão feio" que as pessoas queriam derrubá-lo. - Hoje é considerado um monumento histórico e não pode ser tocado - disse ele.
O Palais Lumiere, ou Palácio de Luz, (assim chamado por que muitas das paredes serão transparentes), "será como um farol iluminando o céu, de graça", Cardin disse durante uma cerimônia em dezembro na qual ele recebeu o prêmio Leão de Vêneto, concedido todos os anos a cidadãos eminentes.
Cardin nasceu em San Biagio di Callata, ao norte de Veneza, e tinha dois anos de idade quando sua família se mudou para a França. - Mas ainda me sinto muito italiano - disse ele em um francês com sotaque italiano.
Alguns temem que o Palais seja um tipo de cavalo de troia que transformará Veneza de um "jardim charmoso em uma Dubai na lagoa", como colocou Parini. - Isso é inaceitável, insustentável e incompatível com a história de Veneza. Deve ser impedido imediatamente.
Esse desenvolvimento desenfreado, alegam os conservacionistas, poderia ser o sopro final para uma cidade já abarrotada de turistas e navios de cruzeiro que deixam, toda semana, milhares deles nos canais já em erosão gradual.
Alguns venezianos estão preocupados que o simples tamanho da estrutura, 250 metros, irá exigir fundações profundas que poderiam rasgar o aquífero, basicamente alterando o equilíbrio frágil da lagoa, que já foi danificado pelo bombeamento.
- O Palais poderia tornar a situação ainda pior - disse Cristiano Gasparetto, arquiteto e especialista na lagoa veneziana.
Os opositores entraram com um processo judicial contra uma licença emitida anteriormente pela agência de aviação civil da Itália.
Mas outros se preocupam que para preservar sua singularidade, Veneza continue mergulhada no passado.
- O Palais Lumiere pode não ser a solução, mas é um símbolo de uma oportunidade para adotar uma história diferente para Veneza - disse Dominic Standish, professor de sociologia ambiental e autor de "Venice in Environmental Peril? Myth and Reality". - É ter a mente muito fechada rejeitá-lo logo de cara - disse ele. - Veneza precisa de um novo modelo de como seguir em frente.
Cardin disse acreditar que o projeto geraria empregos - cerca de 5 mil deles durante a construção e quando os apartamentos, hotéis, restaurantes, lojas e outros diferentes tipos de serviço estiverem abertos e funcionando - para uma área que tem sofrido com crises econômicas, especialmente na indústria da construção e nos negócios imobiliários.
Administradores locais rapidamente deram sinal verde para o Palais, seduzidos pelo entusiasmo e pela projeção de Cardin de que a cidade ganhará milhões com a venda do antigo terreno industrial.
- A cidade certamente está interessada no crescimento dessa área - disse Oscar Girotto, responsável pelo departamento de planejamento que supervisiona o projeto.
Durante sua longa carreira, Cardin ganhou uma reputação de pensador moderno e visionário, introduzindo as roupas prontas em 1959 e deixando sua marca na moda com suas roupas "space age" ("da era espacial") e móveis futuristas. Ele desencadeou a moda no Japão, na antiga União Soviética e na China.
Ele quer que o Palais sirva como teste, também, para tecnologias modernas e ecologicamente sustentáveis para reduzir sua emissão de carbono.
- Nosso desafio é fazer dele um exemplo de emissão zero - explicou Guido Zanovello do Studio Altieri, o engenheiro encarregado do projeto. Ele incluiria turbinas de vento e outras formas de energia sustentável, juntamente com um sistema interno de reciclagem de lixo.
- Estamos integrando novas tecnologias de jeitos originais - ele disse.
Apenas 2,5 dos 20 hectares serão para a construção. O resto receberá paisagismo e será transformado em um parque. - Eu estou dando aos venezianos grama e árvore ao invés de fábricas - Cardin disse.
O estilista disse querer terminar o projeto a tempo para a Expo Milão em 2015, mas o Ministério da Cultura ainda precisa averiguar se a área na qual se planeja construir a torre está sujeita a leis de conservação.
Cardin também está fechando negócios para comprar terras de algumas dezenas de proprietários. E têm surgido dúvidas sobre se ele será capaz ou não de pagar por isso, nem que ele, segundo o próprio, tenha que abrir mão de suas economias imobiliárias - que incluem o restaurante Maxim's em Paris - ou vender seu império de moda. Quanto a esse aspecto, Cardin pareceu despreocupado.
- Meu nome é minha garantia - finalizou.
The New York Times
Projeto futurista para Veneza gera polêmica na Itália
Conservacionistas criticam planos do estilista Pierre Cardin de construir nova estrutura de apartamentos, hotéis e espaços comerciais na cidade
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