Ecatepec, México - Quando os moradores desta pobre cidade industrial olham para as paredes, eles veem os rostos de vítimas da criminalidade encarando-os de volta. Enormes retratos fotográficos cobrem casas de pedra como parte de um projeto de arte comunitária, capturando o que se tornou uma obsessão mexicana: visualizar a vitimização - ou, de maneira mais ampla, transformar dados frios em pessoas reais.
- Falamos em números com frequência demais. Estamos colocando um rosto nas estatísticas - disse Marco Hernandez Murrieta, presidente da Fundação Murrieta, que organizou o projeto fotográfico em Ecatepec, um subúrbio da Cidade do México.
Outros grupos recentemente deram vozes a vítimas, em vídeos com atores famosos como Diego Luna interpretando mexicanos que perderam entes queridos para a violência das drogas ou os abusos dos direitos humanos. Contas do Twitter como @Tienennombre também dão nomes aos mortos, muitas vezes informando a idade e outros detalhes pessoais.
Esses esforços sugerem mais do que uma simples frustração com a crescente insegurança no México. Segundo especialistas e ativistas, eles também são um grito de revolta contra a impunidade e a falta de transparência que mantêm os mexicanos no escuro - muitas vezes incapazes de separar os culpados dos inocentes.
E mesmo assim, embora exemplos anteriores de defesa de vítimas na América Latina tenham focado principalmente nos governos, muitos dos chamados "visualizadores de vítimas" do México se dizem menos interessados em política do que em mudar a mentalidade de seus vizinhos.
Suas campanhas são basicamente tentativas de criar uma consciência pública, evitar que pessoas cometam ou aceitem a violência fazendo-as sentir o sofrimento oriundo do crime - principalmente com esforços que podem ser facilmente compartilhados no boca a boca ou em mídias sociais.
- Esses movimentos são significativamente diferentes das velhas "marchas de protesto". O estereótipo das marchas dizia que elas eram movimentos formados por pessoas da classe operária, liderados por líderes políticos ou sindicais de carisma. Esses novos movimentos de mídias sociais parecem ser estruturalmente diferentes: funcionam pela rede e atraem uma demografia distinta - a juventude de classe média, que provavelmente se identifica mais com o Occupy Wall Street ou a Primavera Árabe - afirmou Andres Monroy-Hernandez, acadêmico do Berkman Center for Internet and Society, em Harvard.
O projeto de Ecatepec foi inspirado numa estrela tanto das ruas quanto da internet: o fotógrafo francês conhecido como JR, que cria imensos retratos em prédios e espaços públicos. Alguns anos atrás, ele espalhou por Paris cartazes com fotos de jovens de projetos habitacionais. Depois, no Oriente Médio, ele pendurou retratos de palestinos e israelenses lado a lado, nos dois lados dos muros que os separavam.
No ano passado, JR recebeu um prêmio de US$ 100 mil na TED, a grande conferência de tecnologia que apoia "ideias que valem a pena disseminar". O processo no México foi mais comunitário. A Fundação Murrieta deu aulas de fotografia a jovens de bairros pobres, e recrutou vítimas de crimes como modelos. O termo "vítima" foi definido de forma ampla.
Ao lado daqueles que haviam testemunhado assassinatos, perdido parentes ou sido vítimas de crimes violentos, a categoria incluía viciados em drogas, namoradas de criminosos e um idoso que temia não voltar a ver seu filho preso antes de morrer. As histórias dessas pessoas foram reunidas numa compilação de testemunhos, e os nomes não foram divulgados por questão de segurança.
Cerro Gordo, bairro escolhido por suas paisagens, inicialmente não queria ter nenhuma relação com o projeto.
- Todos pensavam que era algo político. Mas na verdade é apenas arte - explicou Antonio Olvera, de 24 anos, que ajudou a pendurar os cartazes.
Hernandez, da fundação, descreveu a iniciativa mais como uma prevenção artística contra o crime. Ao lado da foto de uma jovem de lábios carnudos e olhos intensos nesta dura vizinhança, ele disse esperar que as imagens façam as pessoas pensarem duas vezes antes de cometer um crime - além de fazer o povo mexicano desafiar amigos e parentes envolvidos em gangues ou tráfico de drogas.
Um esforço similar de despertar público pode ser encontrado na 31K Portraits for Peace, que está espalhando dois mil cartazes de mexicanos ávidos por paz nas cidades mais violentas do país, e no trabalho do El Grito Más Fuerte, coletivo ativista oriundo dos setores de cinema, teatro e comunicações do México.
O vídeo de cinco minutos que El Grito Más Fuerte produziu e publicou online neste ano, chamado "En los Zapatos del Otro", recebeu ampla cobertura na mídia mexicana e atenção em redes sociais como o Facebook - porque trazia celebridades contando a história de Javier Sicilia, um poeta cujo filho foi assassinado no ano passado, e diversos outros com histórias duras e emotivas.
Os organizadores descrevem o vídeo como uma tentativa de "acompanhar as vítimas em suas dores, sua busca por justiça e seu direto de viver em paz". Embora o grupo tenha declarado a esperança de que o vídeo revertesse a tentativa do governo de "esconder o estado de emergência em que vivemos", suas exigências políticas permaneceram gerais, reivindicando menos impunidade e mais segurança.
- Não existem medidas concretas a tomar - afirmou Gael Garcia Bernal, estrela de "Amores Brutos" e do novo filme de Will Ferrell, "Casa de Mi Padre", numa coletiva de imprensa de El Grito Más Fuerte. Em vez disso, continuou ele, o coletivo busca um "compartilhar de conversas" simbólico e prático.
Mas para o México, uma complicada democracia que historicamente optou pela estabilidade em detrimento da reforma, conversar e compartilhar é suficiente? Homero Aridjis, poeta e ativista ecológico mexicano, declarou ter sido estimulado pela paixão ao redor daqueles com "credenciais de sangue".
- Mas o que precisamos no México é transparência judicial. A única esperança é a reforma do judiciário - disse.
Sem mudanças institucionais, continuou ele, a popularização da vítima pode trazer mais problemas, e não menos, à medida que as pessoas podem se sentir encorajadas a agir como justiceiros.
- É preciso tomar cuidado para que as vítimas não se tornem inquisidores.
John M. Ackerman, professor do Instituto de Pesquisa Legal na Universidade Nacional Autônoma do México, também questionou o quanto poderia ser alcançado através de um movimento de protesto basicamente desprovido de exigências específicas.
- Isso é mais como uma catarse social - apontou ele.
Em Ecatepec, os limites também são evidentes. Moradores dizem que os retratos geraram debates e orgulho cívico. Mas muitas pessoas esperavam que a atenção gerada pelas fotos pudesse levar o governo a oferecer serviços essenciais, como melhores estradas e policiamento. Meses após a colocação da primeira imagem, isso não aconteceu.
O crime na vizinhança tampouco diminuiu. Moradores afirmam que ainda há tiros todas as semanas. Mesmo assim, Hernandez insiste que esses pequenos atos de reengenharia cívica são a única forma de agir.
- Temos de ser como formigas, trabalhando duro em pequenas coisas e com foco total - ele disse.
Como a própria esperança, porém, as fotos se mostraram difíceis de manter. Das 35 originalmente penduradas, apenas 10 sobreviveram. As restantes foram destruídas por tempestades ou roubadas por vizinhos - que usam o vinil da impressão como telhado em suas casas. Necessidades básicas como moradia, ao que parece, ainda são mais importantes que o diálogo.