O procurador da República em São Paulo Rodrigo De Grandis denunciou nesta sexta-feira os ex-diretores da CPTM Ademir Venâncio de Araújo e João Roberto Zaniboni, seis executivos de multinacionais e um lobista por lavagem de dinheiro de propina de ao menos R$ 26,3 milhões referente ao contrato de fornecimento de sistema de transporte sobre trilhos da Linha 5 do Metrô de São Paulo, em 2000.
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A acusação criminal é a primeira contra ex-dirigentes da estatal de trens paulista e faz parte da principal investigação do esquema revelado com base na colaboração da Siemens, que em acordo de leniência fechado em maio de 2013 com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) admitiu ter cometido fraudes em licitações do metrô em São Paulo, entre 1998 e 2008 (governos do PSDB Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin), e em Brasília.
A denúncia contra cartel e fraude a licitações envolvendo esta licitação ficou a cargo do Ministério Público estadual e deu origem a uma ação penal na Justiça estadual em São Paulo apenas contra os executivos das empresas suspeitas de participar das fraudes.
A decisão ocorre mais de dois anos depois de a Polícia Federal concluir o inquérito sobre o caso e indiciar 33 pessoas. Neste período, a Procuradoria da República em São Paulo dependia de documentos sobre as contas de lobistas do esquema no exterior obtidas com a colaboração com o Uruguai e que chegaram ao MPF em São Paulo apenas em novembro do ano passado.
Na denúncia, que conta com informações de colaborações internacionais com a Alemanha, Inglaterra, Luxemburgo e Uruguai além da colaboração premiada de dois executivos da Siemens, o procurador acusa os dois ex-diretores de atuarem para ajudar a formação do cartel que fraudava licitações no sistema metroferroviário paulista, "fornecendo às empresas acesso prévio a documentos sigilosos da CPTM".
Para De Grandis, a formação do cartel "também era de interesse de ex-diretores da CPTM, como Ademir e João, pois ele viabilizava a conclusão mais célere do procedimento licitatório". Apesar de acusar os dois ex-dirigentes de corrupção, estes crimes prescreveram no primeiro semestre de 2016, por isso a denúncia de De Grandis se restringiu aos crimes de lavagem, que podem levar à penas que variam de 4 a 16 anos de prisão.
O valor da propina (R$ 26,3 milhões) corresponde a 5% do contrato de R$ 527 milhões firmado em 2000 entre a CPTM e o Consórcio Sistrem - formado por Alstom, Alstom Transport, Siemens, Siemens AG e outras duas empresas - após a licitação fraudada, segundo as investigações e a colaboração de executivos da multinacional alemã, que admitiram participação no cartel do setor metroferroviário.
Inicialmente, a licitação da CPTM previa a instalação do sistema de transporte sobre trilhos para a implementação da Ligação Capão Redondo - Largo Treze, então chamada Linha G da CPTM, mas que posteriormente acabou se tornando Linha 5 do Metrô.
Consultorias de fachada. Segundo a denúncia, os dois ex-diretores da CPTM receberam as propinas por meio de contratos de consultoria de fachada firmados pelas empresas do cartel com ao menos cinco companhias do lobista Arthur Teixeira no Brasil e no Uruguai (Procint, Constech, Leraway, Gantown e GHT, além de outras ainda não identificadas). A investigação identificou ainda que alguns dos contratos de consultoria foram feitos por sucursais da Alstom e da Siemens na Europa com as empresas de fachada.
Destas empresas de consultoria, os valores eram repassados a João Zaniboni e Ademir Venâncio. No caso de Zaniboni, as investigações da Procuradoria da República, com a colaboração internacional de outros países, identificaram que ele mantinha, desde 22 de outubro de 1998 uma conta no banco Credit Suisse, em Zurique, chamada Milmar e que estava em nome de suas filhas Mariana e Milena.
Segundo o procurador De Grandis, essa conta foi utilizada para o "recebimento e ocultação"de propina relacionada às obras da Linha 5 do Metrô paulista. As investigações identificaram dois depósitos de offshores de Arthur Teixeira e Sérgio Teixeira (morto em 2011) na conta Milmar que somaram US$ 213 mil em 2000, além de remessas de dinheiro via operação dólar-cabo que totalizaram US$ 464 mil entre outubro de 1999 e julho de 2001.
Alguns anos depois, US$ 181,1 mil que foram para a conta de Zaniboni foram internalizados no Brasil supostamente por meio do doleiro Marco Cursini, que recebeu a quantia de Zaniboni em uma conta na Suíça e entregou o valor em dinheiro em espécie para o ex-dirigente no Brasil.
Além disso, tanto Ademir quanto Zanoboni receberam valores da Alstom por meio de contratos da multinacional com a empresa de consultoria Focco, que tinha os dois ex-dirigentes como sócios (Zaniboni deixou a empresa em 2013). De acordo com a denúncia, de 16 de abril de 2004 a 24 de maio de 2006 a Alstom transferiu R$ 2 milhões para a Focco, desta quantia, ao menos R$ 265 mil foram transferidos para uma conta pessoal de Zaniboni entre 2009 e 2011.
Ao longo da investigação do cartel, a Justiça decretou o sequestro de R$ 2 milhões nas contas da empresa, que acabou sendo revogado em julho de 2014 por determinação da própria Justiça Federal de São Paulo.
Segundo a procuradoria, estes R$ 26,3 milhões também foram pagos ao ex-diretor da CPTM Oliver Hossepian (cuja acusação de lavagem e corrupção prescreveu) e outros funcionários públicos ainda não identificados no esquema do cartel dos trens em São Paulo.
Defesa
Em nota, a CPTM afirmou que companhia e o Metrô são "os maiores interessados na apuração dos fatos, com intuito de que os responsáveis sejam punidos na forma da lei e que haja restituição dos prejuízos aos cofres públicos. Ambas as empresas estão à disposição e vem colaborando com a Justiça sempre que solicitado".
O criminalista Luiz Fernando Pacheco, que representa João Zaniboni e Ademir Venâncio afirmou que "tanto o sr. João Zaniboni como Ademir Venâncio repudiam veementemente a prática de quaisquer crimes, inclusive o de lavagem de dinheiro imputado a eles. Ambos veem no oferecimento da denúncia o início de um processo e a oportunidade para demonstrar sua inocência e encerrar de vez essa matéria que remete ao fim dos anos 90, começo dos anos 2000".
O criminalista Eduardo Carnelós, defensor de Arthur Teixeira, disse ter ficado surpreso com a denúncia porque o procurador da República tinha manifestado interesse em ouvir seu cliente, com o que o advogado havia concordado, "condicionando a ter vista a documentos que vieram do exterior".
– Documentos solicitados via cooperação – relatou.
Carnelós disse estar "perplexo" com a informação de que seu cliente foi denunciado.
– É uma precipitação. O sr. Arthur jamais recebeu propinas ou lavou dinheiro. Ele é um consultor consagrado e respeitado nessa área de transportes metroviários com larga experiência e com uma carreira reconhecida – afirmou.