Apesar de o governo José Ivo Sartori ter conseguido aprovar na Assembleia Legislativa a extinção de nove fundações públicas, entre as quais instituições de pesquisa, um grupo de intelectuais, cientistas e artistas se reuniu para abrir canal de diálogo com o Palácio Piratini e evitar o fechamento dos órgãos. Na noite desta segunda-feira, o movimento lançou carta aberta ao governador em evento no Chalé da Praça XV, na Capital.
– Estamos nos opondo a essa suposta economia com as extinções e reivindicando a possibilidade de falar a partir da sociedade civil. Não é um sindicato, não é uma entidade. É a sociedade civil por meio da ciência e da cultura querendo declarar coisas e ser ouvida pelo governador. Estamos querendo montar uma alternativa com debate e discussão – afirmou o escritor Luís Augusto Fischer, um dos organizadores da mobilização.
Leia mais:
Extinções de fundações viram batalha jurídica para o Piratini
Justiça proíbe demissões sem acordo em mais cinco fundações
Liminar proíbe Estado de demitir funcionários da Corag sem negociar com sindicato
O grupo, conforme Fischer, espera uma conversa com o governo para debater o documento. Ao final do ato, afirmou que "o Executivo esboçou uma aproximação".
As extinções foram aprovadas no final de dezembro pelos deputados estaduais durante votação do pacote de ajuste fiscal proposto pelo Palácio Piratini. O documento contra as medidas é assinado por mais de 60 personalidades do Rio Grande do Sul, entre as quais os músicos Vitor Ramil e Ernesto Fagundes, os escritores Martha Medeiros e Luis Fernando Verissimo, o antropólogo Ruben Oliven, o cientista Ivan Izquierdo e a artista visual Zoravia Bettiol.
Também signatário da carta, Cláudio Accurso, economista e secretário do Planejamento no governo Pedro Simon (PMDB), afirmou durante o evento que o governador não está tomando essas decisões com má intenção, mas ressaltou que as medidas são equivocadas:
– O governador é uma pessoa séria, mas está optando pelo caminho errado. Ele se equivoca na solução que ele quer dar. Eles (governo) querem corrigir os problemas atuais com coisas que se fizeram no passado. Tem é que corrigir a gestão pública brasileira, não só a estadual.
Os organizadores haviam reservado espaço para cerca de 100 pessoas no Chalé da Praça XV, mas, diante do público maior, a leitura da carta e a fala dos líderes do movimento foram transferidas para fora da casa, na área de shows do bar. Dezenas de pessoas não conseguiram entrar na estrutura e ficaram do lado de fora, próximos às grades para ouvir os oradores.
Confira a carta na íntegra:
Senhor Governador Sartori, senhor Vice-Governador Cairoli: Os senhores obtiveram da Assembleia Legislativa um conjunto de autorizações que permite extinguir várias Fundações estaduais. Foi um processo muito doloroso para a cidadania, que expressou sua discordância na praça e no Parlamento, assim como nos bastidores. Não foi apenas a oposição que tentou mudar o curso do processo, também líderes do PMDB tentaram propor mediações e alternativas, sem sucesso.
Os senhores não proporcionaram à sociedade gaúcha a chance do debate sobre seu patrimônio e não ouviram os apelos e protestos de muitos cidadãos reconhecidos em suas áreas de atuação e de instituições relevantes do país e do estado, como o IBGE, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência/SBPC, a Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade de Engenharia do RS.Extinguir Fundações de pesquisa, de planejamento e de cultura, como é o caso de FEE, FDRH,FZB, FEPAGRO, CIENTEC, FEPPS, METROPLAN, FIGTF, Piratini (TVE e FM Cultura), significa muito mais do que fechar os 1.200 postos de trabalho e, assim, diminuir despesas: os senhores e a população bem informada sabem que, com essas Fundações, se vai parte fundamental da possibilidade de desenvolvimento científico, tecnológico e cultural do estado.
Sem elas, surgirão despesas novas,porque tanto o governo atual quanto os futuros inevitavelmente precisarão contratar empresas que prestem os serviços que elas hoje realizam.
Além disso, os senhores não explicitaram à sociedade gaúcha as razões fundamentais para a eliminação dessa parte essencial do patrimônio público. Os motivos orçamentários apresentados são frágeis para justificar uma ação tão radical. Com essas demissões e extinções, economizam-se cerca de 189,2 milhões, segundo dados divulgados pela imprensa, o que representa apenas 0,69%do orçamento do poder Executivo realizado em 2016, de acordo com os dados oficiais do Portal Transparência RS.A sociedade gaúcha tem o direito de receber dos senhores, de forma transparente, a explicitação completa da situação financeira do Estado.
Por que não fornecer o conjunto dos dados sobre as isenções fiscais e por que não responder à Ação Civil Pública impetrada pelo Ministério Público Estadual e determinada pela 7ª Vara da Fazenda Pública em 28/11/2016 para a divulgação desses dados?
O representante do governo declarou à imprensa, na apresentação das medidas de redução de despesas, que elas não são "fruto de um cálculo financeiro, mas de uma previsão conceitual".Cabem, então, as perguntas: em que ocasião os cidadãos gaúchos discutiram e escolheram destruir parte tão importante de seu patrimônio, que lhes restringirá condições de desenvolvimento científico, tecnológico e cultural? E qual o significado desta "previsão conceitual"?
Na prática, o conceito que se expressa nas extinções aprovadas é a defesa dos interesses privados em detrimento dos interesses públicos. Serão as instituições privadas, principalmente de consultoria e de comunicação, as grandes privilegiadas. A cidadania gaúcha terá que arcar com os preços dos serviços que serão por elas prestados, muito maiores do que os custos hoje existentes eque impactarão muito mais fortemente os cofres públicos.
Não podemos aceitar passivamente a imposição de uma política de liquidação do patrimônio público, que se constitui num crime contra a cultura e o conhecimento científico e, portanto, contra a cidadania sul-rio-grandense. Por isto, colocamos em suas mãos nossa manifestação, que expressa a opinião de vários segmentos sociais preocupados com o desenvolvimento do Rio Grande do Sul.Os senhores receberam a autorização para fechar as Fundações, mas não estão obrigados a executar este fechamento.
Os estadistas detêm o poder de decisão, mas aceitam o debate e a possibilidade de revisar suas posições.Por isto, apelamos para que os senhores suspendam os procedimentos para a extinção das Fundações e estabeleçam um fórum de diálogo e negociação, com representantes das organizações da sociedade civil e especialistas das áreas de conhecimento científico, tecnológico e cultural, que expressem a diversidade de posições existentes na sociedade, com o objetivo de formular alternativas exequíveis e profícuas para a superação da crise do Estado e o desenvolvimento do Rio Grande do Sul.
A grandeza e a biografia dos senhores como gestores públicos, neste momento, estão na aceitação do lado justo e democrático da equação política – o lado das informações transparentes,do debate público qualificado e da negociação das decisões que se mostrarem melhores para o Rio Grande do Sul.
Signatários da carta:
Abrão Slavutzky - psicanalista
Alfredo Fedrizzi - jornalista e publicitário, ex-diretor executivo da TVE
Alfredo Gui Ferreira - botânico, professor aposentado da UFRGS, ex-presidente da AGAPAN
Alfredo Jerusalinsky - psicanalista e diretor do Centro
Lydia Coriat, de PoA e Buenos Aires
Armindo Trevisan - poeta, crítico de arte e ensaísta
Bagre Fagundes, folclorista e compositor
Benedito Tadeu César - cientista político, ex-coordenador do LABORS/UFRGS e do PPGCP/UFRGS
Carlos Alexandre Netto - médico, neurocientista e ex-reitor da UFRGS
Celso Loureiro Chaves - pianista, compositor e professor da UFRGS
Cíntia Moscovich - escritora e patronesse da Feira do Livro de PoA
Cláudio Accurso - economista e ex-Secretário do Planejamento do Estado do RS
Deborah Finocchiaro - atriz, diretora e produtora teatral
Edgar Vasques - cartunista e ilustrador
Enéas de Souza - economista, psicanalista, crítico de cinema e ex-secretário de Ciência e Tecnologia do RS
Ernesto Fagundes, cantor
Esther Pillar Grossi - educadora e coordenadora de pesquisa do GEEMPA
Fernanda Carvalho - jornalista e aprensentadora de TV
Flávio Kapczinski - médico psiquiatra, professor da UFRGS e membro da Academica Brasileira de Ciências
Flávio Tavares - jornalista e escritor
Francisco Marshall - historiador, professor da UFRGS e produtor cultural
Gilberto Perin - jornalista, fotógrafo e diretor de cena
Hélgio Trindade - cientista político e ex-reitor da UFRGS e ex-reitor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana/UNILA
Hique Gomez - músico e atorHorácio Dottori - Astrônomo e professor emérito da UFRGS
Ivan Izquierdo - neurocientista e coordenador do Centro de Memória e de Altos Estudos do Instituto do Cérebro da PUCRS
Jefferson Cardia Simões - professor titular da UFRGA, membro da Academia Brasileira de Ciências
Jorge Furtado - cineasta, fundador e membro da Casa de Cinema de PoA
Kathrin Rosenfield - crítica literária e professora da UFRGS
Katia Suman - radialista
Leonardo Melgarejo - engenheiro agrônomo e presidente da Associação Gaúcha de Proteção do Ambiente Natural/AGAPAN
Luís Augusto Fischer - escritor, professor da UFRGS e ex-patrono da Feira do Livro de PoA
Luis Fernando Verissimo - escritor, cartunista, roteirista de TV e autor de teatro
Luiz Antônio de Assis Brasil - escritor, professor da PUCRS e ex-secretário de Cultura do RS
Luiz Osvaldo Leite - professor de filosofia, ex-diretor do Instituto de Psicologia da UFRGS e ex-presidente da OSPA
Luiz Paulo Vasconcellos - ator, diretor teatral
Márcia C. Barbosa - professora de física da UFRGS e membro da diretoria da Academia Brasileira de Ciências
Maria Amélia Bulhões - historiadora da arte e presidente da Associação Brasileira de Críticos de Arte
Maria Aparecida Grendene de Souza - economista e ex-presidente do Conselho Regional de Economia RS
Maria Beatriz Luce - educadora, ex-reitora da UniPampa e ex-secretária de Educação Básica do MEC
Maria Benetti - economista, especialista em economia agrícola
Martha Medeiros - jornalista e escritora
Moisés Mendes - jornalistaNei Lisboa - músico e compositor
Néstor Monasterio - diretor e produtor teatral
Paula Ramos - historiadora da arte e professora do Instituto de Artes da UFRGS
Paulo Fagundes Visentini - historiador e ex-coordenador do PPG de Relações Internacionais da UFRGS
Paulo Flores - ator e membro da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz
Paulo Romeu Deodoro - professor de música e diretor musical Afrosul/Odomode
Pedro Dutra Fonseca - economista e ex-vice reitor da UFRGS
Rafael Pavan dos Passos - arquiteto, presidente da IAB-RS
Regina Zilberman - crítica literária e professora do Instituto de Letras da UFRGS
Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo - sociólogo e coordenador do PPG de Ciências Sociais da PUCRS
Rogério Beretta - atorRualdo Menegat - geólogo, professor do IGEO/UFRGS e coordenador-geral do Atlas Ambiental de Porto Alegre
Ruben G. Oliven - antropólogo, ex-presidente da Associação Brasileira de Antropologia e da Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais/ANPOCS
Ruy Carlos Ostermann - jornalista, ex-secretário de Ciência e Tecnologia e ex-secretário de Educação do RS
Sandra Dani - atriz e ex-professora do Departamento de Artes Dramáticas da UFRGS
Santiago - cartunista
Sérgio Faraco - escritor
Tiago Holzmann da Silva - arquiteto e ex-presidente do IAB-RS
Vitor Ramil - cantor, compositor e escritor
Yamandu Costa - violonista e compositor
Zé Adão Barbosa - ator e diretor teatral
Zé Victor Castiel - ator e produtor
Zoravia Bettiol - artista visual, designer e arte educadora
*Zero Hora