O segmento brasileiro de ônibus, assim como toda a cadeia automotiva, enfrenta a pior crise da sua história. Além de números alarmantes – estima-se que o mercado nacional esteja reduzido a um terço de sua capacidade –, chama a atenção a duração da retração. A desaceleração na produção já se aproxima de três anos e a "virada da curva" ainda não ocorreu.
A caxiense Marcopolo, líder na produção de carrocerias para ônibus na América Latina, não vem passando imune por esse expressivo declínio. No último balanço divulgado, a queda na receita líquida é de 10% na comparação ao já retraído 2015. Neste final de ano, porém, a companhia tem o que comemorar.
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Com o mercado nacional retraído, a empresa investiu com força nas exportações e deve fechar 2016 com crescimento de 60% na modalidade, revela Francisco Gomes Neto, CEO da companhia. Já conhecida por marcar presença em todas as estradas do mundo, a Marcopolo conquistou 10 novos mercados em 2016: Bahamas, Benim, Camarões, Catar, Costa do Marfim, Curaçao, Mianmar, Omã, Togo, e Trindade e Tobago.
O executivo, natural de São Paulo e engenheiro eletricista, também credita a amenizada da crise a novos projetos da empresa. Buscando aumentar a competitividade da marca, uma série de ações foi implantada em 2016, como o estreitamento de relações com parceiros comerciais e um foco maior no desenvolvimento de funcionários.
– A Marcopolo não precisa de uma revolução, precisa de uma evolução. E é nisso que estamos trabalhando, evoluindo processos. A empresa é boa e sólida – sintetiza Neto.
Para avaliar o difícil 2016 e projetar o próximo ano, o líder da gigante de Caxias concedeu entrevista exclusiva ao Pioneiro. Confira alguns trechos:
Pioneiro: Você já afirmou em entrevista ao Pioneiro que era mais fácil planejar 2020 do que 2017. Essa opinião continua?
Francisco Gomes Neto: Acho válido esse comentário ainda. Está um pouquinho mais fácil agora (planejar), mas o cenário ainda está cheio de interrogações. De um lado, a gente fica otimista, porque fala "bom, depois de três anos de crise, nossos clientes precisam renovar as frotas de ônibus". Mas, por outro lado, vê esses acontecimentos na política que trazem um monte de incertezas para o mercado e pensa até quando que isso vai interferir. A gente fica meio dividido, ainda está bem difícil. Estamos discutindo bastante sobre 2017 aqui na Marcopolo. Achamos que vai melhorar, mas eu particularmente estou cautelosamente otimista.
Como encerra a Marcopolo em 2016? As exportações amenizaram o difícil 2016?Estamos muito contentes com a performance das exportações. Para se ter uma ideia, quase 70% da receita da Marcopolo neste ano está vindo das exportações e das nossas coligadas do Exterior.
Sem as exportações, a Marcopolo se manteria no mercado com a força que ainda tem?
Seria muito difícil. Se ela tivesse ficado no mercado interno, ela estaria em dificuldades agora, como as demais. Isso não só no nosso setor, como também em todas as outras empresas que não são multinacionais. O mercado nacional de ônibus nos últimos dois anos se reduziu a um terço. Não é fácil, você que tem uma estrutura pra fazer 100 unidades, tem que viver fazendo 30.
Para ganhar espaço no mercado externo, vocês criaram uma estratégia específica?
Sim, no ano passado, a gente começou com esse projeto que chamamos de Conquest. Criamos uma sala de guerra, o pessoal colocou mapas do mundo inteiro pelo ambiente, começamos a ver onde vendíamos e não vendíamos... Foram 35 pessoas dedicadas a esse projeto diretamente, e elas visitaram quase 65 países neste ano. Elas trouxeram muitos pedidos. Crescemos mais de 60% em exportações em 2016 em relação ao ano passado. Dá pra dizer que 2016 vai ser o recorde de exportações da Marcopolo em receita.
E em termos de receita geral, a Marcopolo vai fechar no vermelho?
Não, essa palavra a gente ainda não tem no nosso dicionário. Foi uma queda grande, mas em 2016 a gente ainda vai entregar um resultado muito bom levando em conta as circunstâncias. Uma parte desse resultado ocorre em função das exportações e das receitas que vieram do Exterior. Outro motivo é porque vendemos parte das ações que tínhamos de uma companhia canadense, a New Flyer. A Marcopolo contava com cerca de 17% das ações e vendemos 7%. Continuamos ainda como o maior acionista daquela empresa, mas essa venda trouxe recursos importantes pra nós que afetaram a rentabilidade. Isso vai fazer a Marcopolo fechar com um resultado muito bom levando em conta o cenário. Comparado com o ano passado, o lucro deve ser bem melhor, principalmente por causa dessas ações. Em termos de receita, vai ter uma queda. Não temos o número agora, mas deve seguir a tendência dos últimos balanços (de janeiro a setembro, a receita líquida da empresa apresentou redução de 10% em relação ao mesmo período de 2015).
Em relação ao final do ano passado, o dólar encerra 2016 em patamares bem menores. Independente disso, as exportações seguem sendo o foco de vocês em 2017?
Com certeza. Claro que com um dólar a R$ 4 ou mais, podíamos ser um pouco mais agressivos e o resultado era melhor. Agora está em cerca de R$ 3,40. Mas vamos continuar com esse foco. Não esperamos crescer tanto em 2017 nesse ponto, porque já tivemos um crescimento enorme neste ano. Vendemos inclusive para 10 países novos. Comercializar para mercados novos é complexo, porque tem questões como a especificação do produto, a distribuição... Mas a Marcopolo saber como fazer, sabe desbravar isso. E é isso que vamos fazer no ano que vem, vamos continuar firmes nesse foco de exportação.
São quantas plantas fora do país?
Estamos em nove países, com um total de 12 plantas. Este ano essas operações no Exterior contribuíram muito com os resultados da Marcopolo, gerando recursos.
Vocês almejam instalar uma planta em outro país?
Certamente, mas nesse momento nosso foco está sendo melhorar a performance das que já temos. A gente quer explorar ao máximo as regiões onde já temos operação. A gente vende muito para a América Latina, um pouco para a África, um pouco para o Oriente Médio, menos ainda para a Ásia e nada para os Estados Unidos. Tem um mercado enorme para a gente focar e crescer. É aí que vamos virar nossos canhões e tropas a partir de agora.
Ao contrário de anos anteriores, a Marcopolo vai trabalhar nas últimas semanas de dezembro. Não ter férias coletivas no final do ano é um bom sinal?
A gente não vai fazer agora em dezembro, mas faremos em janeiro. Este ano temos pedidos pra trabalhar até dia 6 de janeiro, então entramos em férias no dia 9 e voltamos no final de janeiro. A visão do primeiro trimestre de 2017 está um pouco melhor do que a gente tinha do primeiro trimestre de 2016. Mas ainda vai ser um trimestre difícil, por isso estamos colocando praticamente a fábrica toda em férias em janeiro. Esperamos que a partir do segundo trimestre melhore.
Vocês têm pedido pra quanto tempo a frente?
Temos até 6 de janeiro e um pouquinho para fevereiro. É um mês de cada vez.
Vocês têm quantos empregos atualmente? Há expectativas de novos cortes?Contamos com 8,2 mil, abrangendo as plantas em Caxias, incluindo a Neobus; e a Ciferal, no Rio de Janeiro. Reduzimos em cerca de 35% o quadro no Brasil. No mundo, são cerca de 12 mil trabalhadores. Estamos fazendo o possível para manter os empregos. Atualmente, estamos com uma estrutura um pouco maior do que se precisa, mas queremos preservar o conhecimento que a turma tem, o know-how, a tecnologia. Quando o mercado retornar, precisaremos disso tudo. Esperamos que o mercado contribua conosco. No curto prazo, não temos nenhum plano (de redução de pessoal), mas vamos ver como as coisas acontecem no ano que vem.
Atualmente, quantos ônibus a Marcopolo produz em média por dia em Caxias?Estamos com três plantas em Caxias: Ana Rech, Planalto e Neobus (essa última foi incorporada neste ano). Em Ana Rech, estamos fazendo 12, 13 ônibus por dia. Na Planalto, são quatro ou cinco. E mais uns quatro ou cinco na Neobus. Uns 23 ônibus por dia.
E qual seria a capacidade?
Só em Ana Rech poderia dobrar esse número.
No geral, a ociosidade nas plantas de Caxias é de quanto?
Acima de 30% fácil.
E onde tem mais ociosidade, é em alguma planta do Brasil ou é no Exterior?
No Rio de Janeiro. Lá, estamos produzindo sete ônibus por dia e podemos fazer 25, até 28. Essa questão de baixa utilização da capacidade é concentrada no Brasil mesmo, lá fora não estamos com esse problema.
A fábrica da Planalto é a unidade que, volta e meia, sai um rumor de que pode fechar ou sair de Caxias. Já ouviram esse tipo de comentário?
Sim, já ouvimos. A Planalto é a planta mais velha que nós temos (comemorará 60 anos em 2017). Contamos com três plantas em Caxias e realmente, hoje, não temos trabalho para as três, mas isso não significa que vamos sair de Caxias. Nosso polo de fornecedores está aqui. Temos que ver como vamos proceder. Não temos nenhuma decisão formada. Estamos sempre fazendo estudos, especialmente nesse momento, sobre como otimizar a situação. Até porque agora temos a planta da Neobus também, que é outra marca, mas é uma planta moderna e está em uma área muito menos residencial.
No ranking mundial de montadoras de ônibus, como a Marcopolo está posicionada?
Tivemos recentemente uma reunião com todos os executivos da empresa e comentamos que a Marcopolo é a única encarroçadora de ônibus do mundo com operação em nove países diferentes. Nenhum concorrente nosso tem essa condição, esse diferencial. Temos que fazer uso disso e levar experiências entre as unidades.
Quais são os maiores desafios que vocês projetam para 2017?
Um dos desafios é os juros. Um Finame hoje custa 17%, 18% ao ano (no dia seguinte à entrevista, o governo federal lançou um programa de renovação da frota, com recursos do FGTS e juro menor). É muito caro. E, é claro, o cliente aproveita essa situação. Existe uma concorrência natural de preço maior nesta época. Esse é outro problema que nós temos: o preço das margens. O desafio nosso no começo de 2017 é repassar esse aumento de custo. Estamos segurando muito. Nos últimos dois anos, não passamos sequer uma parte da inflação. O cliente quer pagar o mesmo de dois anos atrás, mas é muito difícil com uma inflação perto de 10% ao ano. A Marcopolo conseguiu equilibrar por causa das exportações, com o dólar alto. Mas ano que vem o desafio das nossas equipes de venda vai ser esse: vender e com o preço maior.
A mudança na presidência da República mudou algo ou na prática segue a mesma coisa?
Percebemos, no pós-impeachment, que a confiança melhorou. Naquele momento, o mercado ficou mais otimista. Mas, de efeito prático, que é mais pedido, não tivemos nenhum. Esperamos que o governo anuncie algo ligado a crédito, que não seja fora da realidade, como foi 2010 e 2011, já que acabou criando uma situação de mercado artificial. Mas também que não seja 17% de juro ao ano.
Ao chegar em Caxias, no ano passado, você chegou a brincar que "corria atrás das crises", já que vivenciou a de 2009 trabalhando nos Estados Unidos. A retração americana daquela época desencadeou uma recessão no mundo todo. Mesmo assim, considera essa pior do que aquela?
Muito pior. Essa aqui é uma crise anormal. A maioria dura um ano, um ano e pouco, depois entra em um período de crescimento. A crise atual apresentou PIB de 0% em 2014, -3,8% em 2015, -3% e alguma coisa em 2016 e está pintando projeções negativas para o ano que vem. Ainda bem que estou em uma companhia com um nome internacional muito forte, com DNA de exportação e uma gente super enérgica que quer fazer as coisas acontecerem. Pelas circunstâncias, atravessamos bem este ano e estamos prontos para o próximo.
Entrevista
"Estou cautelosamente otimista", diz CEO da Marcopolo sobre 2017
Francisco Gomes Neto avalia o desempenho da empresa no difícil 2016 e projeta o próximo ano
Ana Demoliner
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