O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um dos maiores alvos da delação feita por seu companheiro de partido, o senador Delcídio Amaral (PT). Nas 254 páginas do acordo de colaboração premiada, Lula é mencionado 186 vezes. Uma das ilegalidades mais recentes narradas pelo delator é que o ex-presidente teria sido o mandante dos pagamentos à família de Nestor Cerveró, para que o ex-diretor da Petrobras não fizesse revelações contra o governo.
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Delcídio diz que Lula pediu expressamente a ele que ajudasse José Carlos Bumlai (pecuarista, amigo do ex-presidente) para não ser implicado nas delações do lobista Fernando "Baiano" Soares e do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. O presidente teria pedido ao senador para intermediar o pagamento de valores à família de Cerveró, com recursos fornecidos por Bumlai.
Delcídio aceitou a operação e afirma ter explicado a Lula que falaria com o filho de Bumlai, Maurício, com quem mantinha uma boa relação. A primeira remessa de R$ 50 mil foi entregue pela próprio Delcídio em mãos do advogado Edson Ribeiro, após receber a quantia de Maurício Bumlai na churrascaria Rodeio do shopping Iguatemi, em Brasília, em 22 de maio de 2015.
Segundo o documento, a cada revelação feita na delação, o senador apresenta provas ou indícios adicionais à fala: passagens aéreas, mensagens de celular, anotações de agendas. Veja as principais citações a Lula na delação:
A COMPRA DO SILÊNCIO DE MARCOS VALÉRIO NO MENSALÃO
Delcídio presidia a Comissão Parlamentar que investigava corrução nos Correios e diz que no dia 14 de fevereiro de 2006 foi realizado um jantar na casa de Cleide (secretária-geral das Comissões do Senado), com presença dos publicitários Marcos Valério e Rogério Tolentino. O jantar tratou do pagamento de uma dívida. A quitação fopra prometida em Belo Horizonte por Paulo Okamotto (então presidente do Instituto Cidadania e assessor de Lula) "para que Marcos Valério silenciasse em relação às questões do Mensalão".
Delcídio afirma ter se reunido, nos dois dias seguintes, com Okamotto, a fim de que ele cumprisse com o prometido em Belo Horizonte. O senador afirma que a promessa era de pagar R$ 220 milhões). O senador afirma também ter se reunido com o então presidente Lula. Na conversa, Delcídio assegura ter falado:
– Acabei de sair do gabinete daquele que o senhor enviou a Belo Horizonte. Corra, presidente, senão as coisas ficarão piores do que já estão.
Delcídio relata ter recebido no dia seguinte uma ligação do então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, que se mostrou informado.
– Parece que a sua reunião com o Lula foi muito boa, hein?
Delcídio diz ter respondido:
– Não sei se foi boa pra ele!
O senador alega ter recebido então outro telefonema, do então ministro da Fazenda Antônio Palocci, dizendo que Lula estava "injuriado" com ele em razão do teor da conversa. Mesmo assim, Palocci teria assumido a responsabilidade de pagar a dívida com Marcos Valério. Conforme Delcídio, Valério recebeu, mas não a quantia integral prometida.
– De todo modo, a história mostrou a contrapartida: Marcos Valério silenciou – comenta Delcídio, na delação.
A PREOCUPAÇÃO DE LULA COM A CPI DO CARF
Delcídio constata que um dos temas que mais aflige o ex-presidente LULA é a CPI do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, ligado ao Ministério da Fazenda). A preocupação do ex-presidente aumentou quando da convocação de Mauro Marcondes e sua esposa, Cristina Mautoni (lobistas). O senador afirma que, "por várias vezes o próprio Lula solicitou" a ele que agisse para evitar a convocação do casal para depor perante a CPI.
O ex-presidente alegava, segundo Delcídio, estar muito preocupado com as implicações em sua própria família, em especial os filhos Fábio Luís Lula da Silva e Luís Cláudio Lula da Silva. Os dois filhos teriam participado de negociações envolvendo compra de medidas provisórias, especialmente por parte da indústria automobilística.
Outro que reforçou a preocupação de Lula com os depoimentos é Maurício Bumlai, filho do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo íntimo de Lula.
Delcídio diz que, em resposta à insistência de Lula, atuou como líder do Governo no Senado para mobilizar a base governamental e derrubar os requerimentos de convocação do casal na CPI do CARF. A convocação aos aliados do governo ocorreu em reunião em 5 de novembro de 2015. O casal não depôs.
LULA NOMEANDO DIRETORES DE ESTATAIS
Delcídio assegura que Lula gosta de interferir nas indicações partidárias e governamentais (ao contrário do que aparenta) e tem forte influência sobre ações legais e ilegais praticadas no governo.
– Ao contrário do que Lula sempre diz, o ex-presidente teve participação em todas as decisões relativas às diretorias das grandes empresas estatais, especialmente a Petrobras (a indicação do Nestor Cerveró para a Área Internacional foi discutida por Lula com a bancada do PT de Mato Grosso do Sul e Zeca do PT, ex-governador) e comigo, no Palácio do Planalto, no início de 2003 – relata Delcídio.
LULA, OS EMPRESÁRIOS E OS TESOUREIROS DO PT
Delcídio relata que Lula conhecia todos os projetos estratégicos do país, acompanhando de forma permanente seus andamentos e também projetos das principais empresas contratadas. O senador assegura que o ex-presidente sempre dialogou com todos os setores empresariais, tendo, com alguns deles bastante intimidade, especialmente os donos das principais empresas de engenharia do Brasil. Essa aproximação se dava de forma paralela a um contato muito próximo com os principais tesoureiros do PT e de alguns partidos aliados.
– No governo de Lula os empresários tiveram um momento favorável para os seus negócios, "nunca antes visto na história desse país" – parodia Delcídio, imitando o ex-presidente.
O senador afirma que essa aproximação só diminuiu ante a Operação Lava-Jato. Aí o ex-presidente teria adotado "o mesmo comportamento evasivo visto durante a crise do Mensalão", descreve Delcídio.
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