O Jornal Nacional teve acesso com exclusividade a uma parte do depoimento de delação premiada do dono da UTC, Ricardo Pessoa. No documento, de maio deste ano, Pessoa afirma que começou a pagar propina ao PT em 2004, com a obra da P-53, em Rio Grande, e que somente em 2008 funcionários da Petrobras também começaram a cobrar valores.
Em outros depoimentos, Pessoa já tinha dito que pagava propina ao ex-diretor Renato Duque e a ao ex-gerente Pedro Barusco. Em maio, ele também informou que quem indicou Renato Duque para a diretoria da Petrobras foi o ex-ministro José Dirceu. Segundo ele, Duque era funcionário de carreira e foi pulando cargos até chegar à diretoria de Serviços.
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Sobre os pagamentos, Pessoa afirmou que deixava algum saldo de propina para perto da campanha porque já sabia que nessa época cresciam sempre as solicitações por parte do PT. O dono da UTC disse ainda que o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto já ia conversar sobre os pagamentos com o conhecimento completo da situação, tendo detalhes da obra, do valor e tendo conhecimento que a UTC havia vencido o contrato.
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Segundo Pessoa, às vezes, Vaccari pedia dinheiro em espécie por fora. No entanto, o dono da empreiteira não soube dizer os motivos. No depoimento, ele afirmou ainda que Vaccari era "PT na testa, sindicalista, um soldado do partido que queria manter o PT no poder".
No depoimento ao qual o Jornal Nacional teve acesso, o dono da UTC fez um balanço da propina paga ao Partido dos Trabalhadores de 2004 até o ano passado. Segundo ele, nesses dez anos pagou entre doações oficiais e entregas de dinheiro vivo mais de R$ 20,5 milhões.
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A defesa de José Dirceu reafirmou que ele não foi responsável pela indicação de Renato Duque à diretoria da Petrobras e que isso já foi dito publicamente pelo próprio Duque.
O PT reafirmou que todas as doações foram legais e declaradas à Justiça Eleitoral.
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A defesa de João Vaccari Neto disse que as afirmações de Ricardo Pessoa não são verdadeiras e reafirmou que João Vaccari jamais recebeu ou pediu dinheiro vindo de propina.
A defesa disse ainda que todas as solicitações de doações ao partido feitas por Vaccari foram legais, com depósitos na conta bancária do PT e declaradas às autoridades.
Pedro Barusco tem dito que confirma todas as declarações da delação premiada. O Jornal Nacional não conseguiu contato com o advogado de Renato Duque.
Como funcionaria o esquema
O dinheiro desviado de contratos da Petrobras era enviado, principalmente, a contas no Exterior
CAIXA 1 - Doações oficiais a partidos ou campanhas políticas, incluindo o PT e o PSDB
1) Filmagens: na delação premiada, o diretor da UTC, Ricardo Pessoa, forneceu aos procuradores datas e locais onde foram gravadas em vídeo visitas de emissários de partidos.
2) Contas: no caso da UTC, o dinheiro desviado da Petrobras era depositado numa conta na Suíça. Um exemplo: Ricardo Pessoa diz que sua empresa formou um consórcio com Camargo Corrêa, Iesa e Queiróz Galvão, em 2006, para enviar dinheiro para a campanha presidencial do PT naquele ano. De lá ele era trazido ao Brasil por meio de doleiros e enviado aos tesoureiros de campanha partidários. Os procuradores vão verificar se existem extratos dos valores mencionados e requisitar sua devolução.
3) Agendas: os delatores, entre eles Pessoa, forneceram agendas nas quais estão marcadas reuniões realizadas entre 2006 e 2014 com emissários de partidos políticos. Elas serão periciadas.
4) Depoimentos: serão cotejados os depoimentos de diversos delatores. Além de Ricardo Pessoa, um que comprometeu o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto em propinas é Eduardo Hermelino Leite, ex-vice-presidente da construtora Camargo Corrêa. Em um trecho, Leite menciona encontro de 2010:
"João Vaccari disse que tinha conhecimento por meio de área de serviços da Petrobras de que a Camargo Correa estava atrasada com os seus compromissos, isto é, pagamentos de vantagens indevidas frente a contrato da construtora com a Petrobras. João Vaccari questionou o depoente se não haveria interesse em liquidar esses pagamentos mediante doações eleitorais oficiais. O valor certamente era superior a R$ 10 milhões."
5) Doações coincidentes com taxa de propina: Pessoa e outros delatores dizem que os valores doados "oficialmente" aos partidos coincidem com os percentuais de propina cobrados (1% pelo PP e 2% pelo PT, por exemplo). Os procuradores vão verificar se o valor doado em determinado momento corresponde com exatidão a um percentual de propina mencionado pelo delator, sinal de que ele pode ter falado a verdade.
CAIXA 2 - Distribuição clandestina, em sacolas ou contas de empresas-fantasma
1) Filmagens: Ricardo Pessoa e outros delatores afirmam ter gravado em vídeo reuniões para pagamento de propina a emissários partidários. Visitas de João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, à sede da UTC teriam sido filmadas entre 2007 e 2010. Pessoa disse que, nos encontros em seu gabinete, Vaccari rabiscava em um papel os valores que pedia, para evitar ser gravado. Depois rasgava os papéis e jogava os restos em lixeiras diferentes e o deixava as reuniões com uma mochila cheia de dinheiro. O delator afirma que uma das coletas de dinheiro não oficializada teria ocorrido pós-contrato para construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). A UTC teria repassado R$ 15 milhões em propinas ao PT.
2) Depoimentos: além de Pessoa, outros que afirmam que Vaccari coletava dinheiro de caixa 2 (não contabilizado em doação oficial ao partido) são Augusto Ribeiro (da Toyo-Setal), Eduardo Hermelino Leite (da Camargo Corrêa) e Pedro Barusco (ex-gerente de serviços da Petrobras). Barusco apelidou Vaccari de "Moch" - e anotou isso numa agenda - pelo hábito de guardar dinheiro em mochilas. Ribeiro disse que fez doações a uma gráfica indicada por Vaccari e que, na realidade, eram para o caixa 2 do PT.
3) Agendas e pacotes de dinheiro: Pessoa, da UTC, afirma ter levado pessoalmente os pacotes de dinheiro para o comitê da campanha do ex-presidente Lula, em 2006. Os repasses totalizaram R$ 2,4 milhões e teriam sido combinados com José de Filippi Júnior, tesoureiro da campanha e hoje secretário de Saúde da Prefeitura de São Paulo. Pessoa afirma inclusive que tinha senha e contrassenha para não chamar atenção no comitê petista. Ao chegar ao local com o dinheiro, falava a quem o recebesse a palavra "tulipa". Caso ouvisse como resposta a palavra "caneco", seguia para a sala de Filippi. O ex-tesoureiro nega tudo e promete processar Pessoa. Os investigadores querem checar quantias sacadas por Pessoa na época, sua agenda e comparar com os valores mencionados.
4) Consultorias: Ricardo Pessoa afirma ter disfarçado entrega de propina ao PT via pagamento de consultorias ao ex-ministro José Dirceu. Ele informou valores, que serão cotejados com as consultorias informadas por Dirceu no Imposto de Renda - aos quais Zero Hora teve acesso. Em 2012, por exemplo, a UTC pagou R$ 1,3 milhão para a empresa de Dirceu, a JD Assessoria e Consultoria. Em 2013, R$ 939 mil. Nesses dois anos, o ex-ministro estava cumprindo pena por condenação no caso do mensalão. Dirceu será intimado a explicar que serviços fez à UTC.
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