
De olho no rombo das contas públicas, o Palácio Piratini tenta aprovar na Assembleia a redução dos gastos com Requisições de Pequeno Valor (RPVs) - como são chamadas as dívidas de menor peso do Estado. Caso receba o aval dos deputados, a alteração ajudará a amenizar a crise nas finanças, mas provocará um efeito colateral perverso: a fila dos precatórios, que já é extensa, ficará ainda maior.
Se a medida já estivesse valendo, de janeiro a agosto deste ano 56,6 mil pessoas teriam deixado de receber RPVs e se tornado precatoristas, a menos que aceitassem abrir mão de parte do dinheiro.
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Hoje, as RPVs são limitadas a 40 salários mínimos (R$ 31,5 mil) e precisam ser quitadas em no máximo 180 dias pelo Executivo. Quando o montante devido pelo Estado passa disso, os créditos são classificados como precatórios, cujo pagamento pode demorar décadas.
Em 2013, o ex-governador Tarso Genro tentou baixar o teto das RPVs para 10 salários mínimos. A iniciativa sofreu resistência - inclusive do PMDB, que hoje comanda o Piratini -, e ele desistiu da ideia. Agora, a intenção de José Ivo Sartori é circunscrever as RPVs a sete salários (R$ 5,5 mil) para diminuir o impacto sobre os cofres estaduais.
- Na prática, o governo quer empurrar o problema com a barriga. É uma espécie de calote oficial. Se for aprovado, vamos recorrer à Justiça - diz Katia Terraciano Moraes, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas do Estado (Sinapers).
A mudança também é criticada pela seção gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), que enviou ofício ao parlamento e ao Tribunal de Justiça defendendo a rejeição do texto. O presidente da entidade, Marcelo Bertoluci, diz que o projeto é juridicamente questionável porque o prazo para alterações do tipo expirou em 2010.
- Mais uma vez, o Poder Executivo insiste em um projeto simplório, com equívocos básicos e sem nenhum diálogo com a sociedade. Por simetria, as prefeituras também reduzirão os valores, e isso vai provocar um calote em cascata - adverte Bertoluci.
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Para quem é titular de um precatório, o principal temor é o prolongamento da espera pela indenização. É o caso da pensionista Noeli de Almeida Mércio Pereira, 72 anos. Moradora da Capital, ela está nessa situação desde 2003. Por ter preferência devido à idade, recebeu parte do valor. Segue na expectativa pelo restante do crédito, cuja cifra prefere não revelar.
Até a última semana, ocupava a posição 9.443 na lista.
- Vou receber quando? Na próxima encarnação? A gente sabe que a situação das finanças é crítica, mas o governo está agindo mal - lamenta.
Especialista no tema, o juiz da Central de Precatórios do Tribunal de Justiça do Estado, Marcelo Mairon Rodrigues, evita polemizar. Ele concorda que a fila vai aumentar, porém faz uma ressalva: existe justificativa para a proposta e nem todos sairão perdendo.
- É verdade que, para muitos precatoristas, será ruim. Mas, baixando o valor das RPVs, será possível pagar um número maior de pessoas com direito à parcela preferencial. A alteração vai desagradar a alguns e agradar a outros - pondera Rodrigues, que destaca a necessidade de mais recursos para o pagamento de precatórios.
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Os desembolsos do Estado com RPVs crescem desde 2011. Neste ano, a estimativa é de R$ 900 milhões. Se isso se confirmar, será o dobro dos gastos com o custeio da segurança e da educação. Se aprovado o novo teto de pagamento para RPVs, o valor cairia para R$ 180 milhões. O restante seria usado para cobrir o rombo nas contas.
A estimativa
A projeção é de que, neste ano, o desembolso com RPVs deva alcançar R$ 900 milhões. Caso seja aprovada a redução do teto de pagamento, o valor anual cairia para R$ 180 milhões, se for mantida igual estimativa de desembolso. O que deixaria de ser repassado para o pagamento de dívidas de pequeno valor poderia ser usado para cobrir o déficit nas finanças.
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O líder da bancada do PT, Luiz Fernando Mainardi, havia indicado a possibilidade de apresentar uma emenda ao projeto antes da votação. A ideia era limitar o valor dos títulos a 10 salários mínimos (R$ 7,8 mil), e não a sete (R$ 5,5 mil), como quer o Palácio Piratini.
- O governo só não colocou 10 salários no projeto original para não ficar igual à proposta do ex-governador Tarso Genro. Na época, o PMDB votou contra - afirma Mainardi.
Dias depois, Mainardi mudou de opinião. Disse que a bancada não concordou com a sua proposta por uma questão de "coerência". Conforme o petista, em 2013 a bancada teria se colocado contra o projeto e teria inclusive pedido a retirada do texto ao então governador.
Com isso, o PT deverá votar contra a proposta, assim como PSOL e PC do B.
Apesar disso, o líder do governo na Assembleia, Alexandre Postal (PMDB), acredita que não haverá dificuldades para aprovar a mudança.
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O que são as RPVs
- Requisições de Pequeno Valor (RPVs) são dívidas do Estado de até 40 salários mínimos (R$ 31,5 mil) decorrentes de processos judiciais. Acima dessa quantia, os créditos viram precatórios.
- Quase a totalidade, 99% das RPVs, envolvem servidores públicos estaduais ativos, inativos e pensionistas e são de caráter salarial.
- Mais de 70% relacionam-se às Leis Britto (reajustes salariais não pagos).
Como é feito o pagamento
- Desde 2011, por lei, o Piratini destina 1,5% da receita corrente líquida para o pagamento de RPVs. Em 2014, foram R$ 415,7 milhões.
- Conforme a legislação, as RPVs de até sete salários mínimos (R$ 5,5 mil) precisam ser quitadas em 30 dias, o que é cumprido.
- Além desse valor, devem ser honradas no prazo de até 180 dias, mas, por falta de recursos, os repasses vêm sendo atrasados.
- Para forçar o pagamento, juízes têm determinado o sequestro do dinheiro diretamente das contas do Estado.
- Com isso, o volume dispendido superou 1,5% da receita, limite que juízes consideram inconstitucional. Em 2014, foram R$ 845,7 milhões.
O projeto do poder Executivo
O governo pretende limitar as RPVs a sete salários mínimos (R$ 5,5 mil), e não mais a 40 salários (R$ 31,5 mil). Se a proposta for aprovada, passará a valer para RPVs constituídas a partir da publicação no Diário Oficial do Estado.
A justificativa do governo
Como os sequestros judiciais são ilimitados, acaba sendo difícil prever com exatidão o valor a ser destinado para as RPVs, o que dificultaria o planejamento financeiro para os desembolsos.
Desde 2011, o volume de pagamentos de RPVs é crescente. Neste ano, deve chegar a R$ 900 milhões. Se isso se confirmar, será o dobro dos gastos com o custeio da segurança e da educação.
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Com a alteração do teto de pagamento, o governo estadual espera se livrar dos sequestros judiciais, já que tem conseguido quitar as RPVs de até sete salários sem maiores problemas (R$ 5,5 mil).
Os R$ 900 milhões que seriam gastos em 2015 cairiam para R$ 180 milhões, e o restante seria usado para cobrir o rombo nas contas.
Como isso afetará os beneficiários
Se o projeto for aprovado, pessoas que tiverem mais de sete salários mínimos a receber terão o crédito enquadrado como precatório.
Isso vai aumentar a fila dos precatórios, que vêm sendo pagos, mas de forma bem mais lenta (o Estado destina 1,5% da receita). A dívida passa de R$ 8,5 bilhões.
A alteração também se refletirá no pagamento dos donos de precatórios com preferência (pessoas de 60 anos ou mais ou com doenças graves).
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Eles têm direito a receber parte do crédito antes, e a parcela é limitada a até três vezes o valor da RPV. Se a RPV for reduzida, o valor cairá.
Por outro lado, com os valores mais baixos, o número de credores pagos será maior.
Por que as RPVs viraram um problema
O pagamento das Requisições de Pequeno Valor (RPVs) tornou-se um problema para o Estado, segundo a Secretaria da Fazenda, basicamente por dois motivos: a explosão de ações e a onda de sequestros judiciais.
Para garantir o pagamento de sentenças, juízes têm determinado, desde 2011, o bloqueio dos recursos diretamente das contas do Estado. Conforme o subsecretário do Tesouro do Estado, Leonardo Busatto, o montante destinado ao pagamento de RPVs saiu do controle e superou, por exemplo, os gastos do Estado com o custeio da educação e da segurança pública.
Ao mesmo tempo, advogados têm preferido fracionar ações a apostar em uma única causa, que poderia render um precatório milionário - e eterno. Com o fracionamento, garantem o pagamento mais rápido e efetivo, na forma de RPVs. Como o limite atual é 40 salários mínimos, a estratégia vale a pena.
O governo estadual entende que, se conseguir reduzir para sete salários, passará a evitar os sequestros e a pulverização de ações.
- Sabemos que o Estado deve e não contestamos as decisões judiciais. A única coisa que queremos é definir um limitador - explica Busatto.
- O que se quer é corrigir uma distorção - complementa o chefe da Seção de Precatórios e RPVs da Secretaria da Fazenda, David Rizzardo Milani.
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O procurador-geral adjunto para Assuntos Jurídicos, Leandro Nicola de Sampaio, da Procuradoria-Geral do Estado, lembra que outras unidades da federação também readequaram o limite e que não há irregularidade nisso:
- O Estado não vai deixar de pagar ninguém. O valor dos créditos não vai sofrer alteração. Ninguém vai perder dinheiro. O que vai mudar é apenas a forma de cobrança. O importante é que haja sistematização e organização dos pagamentos.