Ao apontar excessos e viés político em investigação da Polícia Civil, deflagrada em julho de 2011 e que resultou na Operação Cartola, o procurador da República Celso Tres não só pediu o arquivamento da denúncia na Justiça Federal como colocou em xeque toda a apuração. Em seu parecer, pede desculpas aos 18 réus - suspeitos de desvio de recursos da União destinados à Educação - "pela dolorosa persecução" que sofreram pelo poder público.
A perseguição aos réus, segundo o procurador, teria sido movida pelo então governo de Tarso Genro no intuito de desestabilizar adversários políticos. A Operação Cartola começou a partir de uma investigação contra a prefeitura de Alvorada (à época administrada por João Carlos Brum, do PTB) e se estendeu a mais sete municípios.
O trabalho da Polícia Civil resultou em 38 indiciamentos (incluindo prefeitos) por contratos com uma empresa publicitária em que teria havido superdimensionamento de preços e pagamento de serviços não realizados. A agência de propaganda intermediou repasse de verbas das prefeituras (destinadas à Educação) para gráficas - e parte do dinheiro teria sido desviado por servidores.
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O Ministério Público (MP) Estadual denunciou as 38 pessoas, mas, numa manobra, advogados conseguiram que parte do caso fosse transferida para a Justiça Federal - a parte relativa aos recursos federais supostamente desviados. O Ministério Público Federal concordou em quase tudo com os colegas estaduais, e o procurador da República Mark Weber denunciou 19 pessoas, pelos mesmos motivos: formação de quadrilha, superfaturamento e direcionamento de licitação. Dezoito deles viraram réus. No caso mais rumoroso, teria havido um acréscimo de 326% dos dispêndios com propaganda realizados pela prefeitura de Alvorada, entre 2006 e 2009.
Tudo mudou depois que o procurador Celso Tres herdou o caso. Num relatório contundente, desconsiderou a denúncia feita pelo colega, bem como a denúncia do promotor estadual e a investigação da Polícia Civil que originou o caso. Concluiu que o material gráfico comprado foi entregue (ou seja, os serviços foram realizados), que houve tomada de preços normal para contratação da empresa publicitária e que o orçamento escolhido foi o de menor custo.
Além de criticar o trabalho da polícia - e, por tabela, dos colegas que o antecederam no caso -, Tres concluiu que o deslocamento de 500 policiais e 160 viaturas para fazer buscas nas prefeituras teria ocorrido apenas como exibição de força da cúpula do governo.
"Quando deflagrada a cinematográfica operação, antes das 7h da manhã, a militância do PT, com todos os veículos de comunicação, estavam no paço municipal para testemunharem e regozijarem-se com a tomada de assalto da prefeitura de Alvorada. Óbvio que os espectadores vips foram devida e antecipadamente credenciados com informações privilegiadas pela autoridade policial", escreve no parecer.
Tres também elenca exemplos do que seriam ações orientadas por Tarso contra adversários, como a Operação Rodin. Na ocasião, a PF apontou corrupção no governo Yeda Crusius (PSDB) enquanto Tarso era ministro da Justiça.
O QUE VAI ACONTECER
O parecer do procurador Celso Tres pode ter dois destinos:
- Um deles é que a Justiça Federal o acate e arquive o caso (absolvendo todos os réus).
-Outro é que o magistrado prefira a denúncia original e prossiga com o julgamento dos réus.
-A previsão é que a decisão saia em um mês. Defensor de uma acusada ligada à prefeitura de Alvorada, o advogado José Tedesco Bueno diz que espera a anulação do caso na esfera federal - "por absoluto desentendimento entre os que deveriam acusar" - e, por tabela, também na esfera estadual (onde o julgamento continua).
HISTÓRICO DAS SUSPEITAS
-Julho de 2011 - Mais de 500 policiais civis cumpriram mandados de busca e apreensão em oito prefeituras (Alvorada, Cachoeirinha, Canela, Osório, Parobé, São Sebastião do Caí, Tramandaí e Viamão). A investigação apontava um suposto esquema para beneficiar a empresa de comunicação PPG em contrato, em troca de apoio financeiro para políticos.
-2013 - O promotor Luiz Eduardo Ribeiro de Menezes, da Procuradoria de Prefeitos (Ministério Público Estadual), denuncia 38 pessoas que foram alvo da Operação Cartola. Entre eles, diversos prefeitos e ordenadores de despesas em municípios, além de donos de agência de publicidade. O processo é cindido e parte da denúncia, relativa a verbas federais, é enviada à Justiça Federal.
-2014 - Em fevereiro, o procurador da República Mark Weber denuncia 19 pessoas por formação de quadrilha e desvio de recursos públicos da União. Em abril, a Justiça Federal torna réus 18 dos 19 denunciados.
-2015 - Em julho, o procurador da República Celso Tres contraria parecer de seu colega Weber e também o do Ministério Público Estadual e conclui que não há caso a ser julgado. Ele diz que não há provas dos crimes e pede desculpas aos réus. Agora, a Justiça Federal deve decidir se aceita a denúncia original ou acata o parecer de Tres, pelo arquivamento do caso. Na Justiça Estadual, prosseguem julgamentos relativos a verbas estaduais, mas há pedido de advogados para transferir tudo para a esfera federal e tentar anular o caso.