A análise de Carteiras Nacionais de Habilitação (CNHs) e outros documentos apreendidos em uma operação do Ministério Público no ano passado indica que um esquema de fraude beneficiou até motoristas profissionais do Rio Grande do Sul.
Boa parte dos cerca de 130 motoristas sob suspeita de terem renovado a carteira sem fazer exame médico, curso ou teste teórico é formada por taxistas e caminhoneiros - o que multiplica o risco de acidentes. Além disso, os promotores identificaram semianalfabetos entre os beneficiados.
Em dezembro, mandados de busca e apreensão foram cumpridos pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) de Santa Catarina e pela Promotoria de Justiça Especializada Criminal de Porto Alegre em Araranguá e Sombrio, no sul catarinense, como parte de uma investigação que realizou ainda seis buscas em Taquara e Igrejinha, no Rio Grande do Sul.
Esse trabalho foi consequência da investigação de um esquema que permitia a motoristas dos dois Estados renovar a habilitação sem fazer exame médico, teste ou curso teórico-técnico - o que é exigido por lei, assim como saber ler e escrever.
Em Santa Catarina, foram encontradas cerca de mil CNHs suspeitas. Eram carteiras vencidas de condutores sob suspeita de terem providenciado documentos novos por meio da fraude.
- Não sabemos por que um dos suspeitos guardava as carteiras antigas, mas facilitou o nosso trabalho - afirma o promotor de Justiça da Promotoria de Justiça Especializada Criminal de Porto Alegre, Flávio Duarte.
Envolvidos devem ter as habilitações canceladas
Ao analisar esses documentos, além de outras evidências apreendidas como computadores e prontuários, a promotoria gaúcha identificou cerca de 130 gaúchos suspeitos de terem se beneficiado da irregularidade.
Chegou-se a essa conclusão pela constatação de que eles utilizaram comprovantes de residência falsificados para sugerir que moravam em Santa Catarina e, dessa maneira, encaminhar a renovação pelo Estado vizinho.
Na verdade, seriam moradores de 38 municípios gaúchos levados para lá apenas para forjar a renovação ao preço de R$ 2,5 mil.
- Um intermediário daqui levava os interessados até Santa Catarina, onde assinavam os documentos sem passar por nenhum exame - revela Duarte.
O promotor diz que a análise de e-mails trocados entre motoristas e suspeitos de integrar o esquema, além de telefonemas e outras evidências, indica que vários condutores podem ser considerados semianalfabetos: - Uma parcela dos beneficiados apresenta grande dificuldade para ler e escrever, pelo que pudemos constatar. O MP suspeita ainda que, em alguns casos, a primeira habilitação também pode ter sido obtida de forma fraudulenta - em um outro esquema que já não existe mais.
Nesse caso, parte dos motoristas poderia estar renovando irregularmente CNHs já obtidas de maneira ilegal. A documentação dos 130 suspeitos foi encaminhada para o Detran para que o órgão confirme as suspeitas e cancele as habilitações comprovadamente fraudadas.
Como funciona
l Motoristas gaúchos que não desejavam passar pelos testes exigidos para renovar a CNH, como exame médico, teste ou curso teórico, procuravam um despachante de Taquara cujo nome não foi revelado pelo MP.
l Esse despachante teria acordo com o dono de um CFC de Sombrio, mas morador de Araranguá (ambas as cidades em Santa Catarina). O gaúcho levaria seus clientes até o Estado vizinho para realizar a fraude.
l Os condutores apenas assinavam os papéis necessários para renovar a carteira, mas não faziam nenhum exame ou teste para obter o novo documento. Até mesmo condutores com grande dificuldade para ler e escrever teriam se beneficiado.
l Ainda é investigada a participação de médicos e uma psicóloga de Santa Catarina no esquema, que forjariam a realização dos exames.
l De mil CNHs vencidas, que eram guardadas em Santa Catarina após seus proprietários terem obtido documentos novos, descobriu-se que cerca de 130 pertenciam, na verdade, a moradores do Rio Grande do Sul e têm indícios de fraude.
l Os 130 condutores gaúchos teriam utilizado contas de luz falsificadas como comprovantes de que seriam moradores de Santa Catarina a fim de encaminharem por lá a renovação do documento, quando na verdade vivem no Rio Grande do Sul.
l A documentação das CNHs suspeitas será encaminhada para o Detran gaúcho a fim de que possam ser canceladas pelo órgão, após análise e confirmação das irregularidades.
l Os envolvidos poderão ainda ser enquadrados pelos crimes de falsidade documental e uso de documento falso (motoristas), falsidade documental e corrupção ativa ou passiva (despachantes/dono do CFC) e corrupção passiva (médicos e psicóloga, caso comprovada a participação).
Perigo nas ruas
Fraude na CNHs teria beneficiado 130 gaúchos
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