
Há pelos menos quatro meses, uma moradora da Rua Oscar Bitencourt, no Menino Deus, viu a frente de sua casa ganhar outra casa. Por ali, um homem apoiou uma lona entre duas árvores, acomodou seus pertences e tomou o espaço como casa. A "vizinha" que acompanhou de camarote a mudança se apieda da condição do homem e também da sua por ter a calçada ocupada por um problema social pelo qual os moradores do bairro tropeçam diariamente há anos e que desponta sob uma nova organização: as pessoas em situação de rua não só circulam pelo bairro como transformam os espaços públicos em endereço.
O caso da Oscar Bitencourt se repete sob o Viaduto Telmo Thompson Flores, no cruzamento da Avenida Praia de Belsa com a Rua José de Alencar. Bruno Kuppes, 30 anos, de Santana do Livramento, e Silvana Maria de Oliveira, 42 anos, de Alvorada, estão há meses sob a estrutura de concreto, onde sobrevivem a custa de doações e dos pouco mais de R$ 70 que Kuppes recebe do Bolsa Família. Não têm perspectivas de sair dali. Adotaram cães, todos esterilizados por protetores de animais, ganham roupas e comida e até já se acostumaram com a barulheira infernal do trânsito.
- A gente vai ficando, até conseguir uma casinha, né? - revela Silvana, quase em tom de oração.
A Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) sabe que a região é uma das mais problemáticas quanto à questão da população de rua e, por isso, reforçou as equipes de abordagem nesta área mais central da cidade. A proximidade com a orla e com o Centro Histórico, além da presença de áreas comerciais efervescentes são atrativos para quem luta para sobreviver. Essa realidade também é reforçada pela presença de abrigos na região e pelo próprio acolhimento dos moradores.
- A lógica de quem vive na rua é ficar onde há circulação de pessoas e poder aquisitivo. Na região do Menino Deus, outra característica é a doação de alimentos pelos próprios moradores. A gente vê nas ruas, as pessoas fazem os "macaquinhos", deixam comida em sacolinhas penduradas em árvores ou grades - diz a diretora técnica da Fasc, Marta Borba.
Foto: Arquivo pessoal
Fasc terá de ampliar abrigos
Em 2012, a fundação divulgou os dados de uma pesquisa realizada em dezembro de 2011 sobre a população em situação de rua na cidade. Constatou-se a presença de 1.347 pessoas nas ruas, 144 a mais do que o observado em um estudo feito em 2007 pela UFRGS. O pequeno crescimento revela uma certa estabilidade no tamanho desta população, mas alguns dados, como a presença de famílias inteiras vivendo na rua motivaram o Ministério Público Estadual (MPE) a ingressar, em 2007, com uma ação exigindo a ampliação da rede de assistência a essas pessoas. Em dezembro, a Justiça determinou que fossem criados novos abrigos na Capital.
- O poder público não criou vagas para acolher essas pessoas. O que vinha ocorrendo era só uma reordenação das vagas existentes. Essa sentenção é uma resposta a essa população que sempre ficou marginalizada - avaliou a promotora Liliane Dreyer da Silva Pastorizi, que substituiu, na promotoria de Defesa dos Direitor Humanos de Porto Alegre, Angela Salton Rotuno, que ajuizou a ação sete anos atrás.
A Fasc garante que a ampliação determinada pelo Justiça já estava prevista no Plano Municipal de Enfrentamento à Situação de Rua e que, neste ano, serão criadas duas repúblicas, com 10 vagas cada, um abrigo com capacidade para 60 pessoas e duas casas-lares para idosos, com 10 vagas cada uma.
