Com ajuda da tecnologia, dois irmãos que tiveram seus destinos apartados depois de uma adoção internacional conversaram ontem pela primeira vez.
Diante do computador, na cidade de Nápoles, na Itália, sorria e chorava uma engenheira sanitária de 27 anos, adotada aos quatro anos por um casal de italianos.
Do outro lado da tela, no juizado da Terceira Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre, estava o irmão que ela até pouco tempo nem sabia existir: um adolescente de 17 anos, internado na Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) por roubo. E também a mãe de ambos, uma ex-moradora de rua com distúrbios mentais.
A videoconferência que reatou laços se tornou possível a partir do intermédio do serviço SOS Desaparecidos, da Polícia Militar da Santa Catarina. Interessada em conhecer sua família biológica, a engenheira começou buscas pela internet. Ao deparar com a página do programa catarinense no Facebook, que se tornou referência por ser a única polícia militar do país com atendimento especializado, pediu ajuda. Queria descobrir se tinha outros irmãos além daquele que foi levado com ela para a Itália, três anos mais jovem.
Em suas investigações, os policiais catarinenses descobriram que ela tinha pelo menos mais três irmãos no Rio Grande do Sul. E que o caçula cumpria medida socioeducativa na Fase. Após contatos com a instituição e auxílio do quadro técnico, combinaram o encontro pela internet entre o adolescente, a irmã mais velha e a mãe.
Distância física e de realidade até engatar uma conversa
Antes de os aparelhos serem ligados, o adolescente contemplava atento a foto da irmã, que foi embora do país antes de seu nascimento.
- O cabelo dela é cacheado... Ela é morena... tem rosto redondo... que nem eu - reconhecia.
Era a materialização de um passado do qual ele só ouvia falar. Caçula entre oito irmãos, foi o único a crescer em companhia da mãe, uma doméstica com esquizofrenia que chegou a morar nas ruas e entregou quase todos os filhos para a adoção. O que pesou para que o mais novo ficasse com ela foi a postura do pai, um copeiro que trabalhava no Chalé da Praça XV - que se encantou pela andarilha e a levou para sua casa, assumindo o filho.
Quando finalmente se viram na tela do computador, os dois irmãos nem sabiam por onde começar a conversa. Tímidos e emocionados, trocaram poucas frases.
- Ela mora com o namorado, tem um filho de um ano, que não mora com ela - contava a tradutora.
- Eu trabalho, estudo - disse o adolescente, sem detalhar que frequenta a 7ª série dentro da Fase, onde também faz curso profissionalizante de auxiliar administrativo.
O menino cresceu com os pais no bairro Guarujá, mas a partir dos 11 anos começou a se envolver com o tráfico, motivo de sua primeira passagem pela Fase. Há um ano e quatro meses, foi internado por roubo. Com a perspectiva de recuperar a liberdade no próximo mês, viu no exemplo da irmã uma inspiração para recomeçar.
- Quero mudar de vida. Ela é engenheira... eu queria ser engenheiro mecânico. Tudo é possível - sonha.
A engenheira, que faz tratamento psiquiátrico, avisou que por enquanto não tem condições de vir ao Brasil. Mas o contato não será interrompido. Um novo bate-papo virtual entre os dois já foi marcado para segunda-feira.
- Isso só reforça que a vida é feita do lugar onde a gente nasce e de oportunidades. Precisamos criar as oportunidades certas - observa a juíza Vera Lúcia Deboni, que testemunhou o encontro.