Uma norma do Conselho Nacional de Educação publicada em 18 de junho, durante a Rio+20, foi criada para encorpar o ensino de conceitos sustentáveis em escolas e universidades. Mas a Resolução Nº2, responsável pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental, ainda esbarra em obstáculos para sair do papel. E o tempo decorrido desde junho seria suficiente, segundo fontes da área de educação ouvidas pelo Nosso Mundo, para que houvesse avanços já nas salas de aula.
As dificuldades acontecem, primeiro, porque as práticas de gestão ambiental - das universidades, principalmente - ainda aparecem mais no nível institucional do que no curricular. Muito por força da legislação existente desde 1999, considerada frágil pelo mestre em Direito Ambiental Gustavo Trindade.
- Na prática, não se vê uma aplicação mais direta dessas regras. Não deverá haver uma modificação maior - afirma.
Também há de se levar em conta a redação da Resolução Nº 2, flexível ao estabelecer os compromissos das instituições de ensino. Veja o que diz um dos artigos:
"Art. 8º - A Educação Ambiental (...) deve ser desenvolvida como uma prática educativa integrada e interdisciplinar, contínua e permanente em todas as fases, etapas, níveis e modalidades, não devendo, como regra, ser implantada como disciplina ou componente curricular específico."
Ou seja, a adequação fica a critério de cada curso. E será preciso observar, antes, normas complementares estabelecidas pelos Conselhos de Educação estaduais e municipais. No RS, o Conselho Estadual ainda não definiu itens adicionais, mas afirma que a educação ambiental pode entrar na discussão das novas regras complementares da Educação Básica.
Os nós, porém, não se encerram por aí. Procurados pelo menos três vezes pelo Nosso Mundo, via telefone e e-mail, Conselho Nacional da Educação e o Ministério da Educação (MEC) não responderam como haverá fiscalização do cumprimento da resolução. O texto condiciona credenciamento e recredenciamento junto ao MEC à implantação das regras.
Outro ponto prevê formação complementar para os professores, mas não fica estabelecido de que forma isso ocorrerá.
Mesmo assim, as universidades afirmam já discutir em reuniões meios de adaptação - como garante a professora Terezinha Guerra, do departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Apesar de criticar o que considera descaso com a antiga lei para Educação Ambiental, de 1999, a ecologista mostra-se mais otimista:
- O tema não precisa ter uma disciplina única, mas deve ser incorporada nas diversas áreas. Pode ser transversal.
Além das ações já desenvolvidas pelo seus comitê de Gestão Ambiental, a Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) incentiva que pesquisadores atuem na área. É o caso da bióloga Chalissa Wachholz, educadora ambiental e mestranda de Educação que desenvolveu uma trilha de percepção socioambiental dentro da universidade.
- Há uma cobrança externa para que os currículos também passem a ter essa preocupação. Alunos e sociedade estão cobrando - diz.
Entre os compromissos assumidos durante a Rio+20 por diversas universidades, estão o ensino do conceito e sua inclusão no currículo básico, o intercâmbio de conhecimentos científicos e transferência de tecnologias novas, tornar os campi mais verdes e apoiar esforços das comunidades do entorno. Só faltou emplacar uma legislação mais eficaz.
Do Dilúvio para o tratamento
Quando se fala no cuidado com o aspecto ambiental, uma das grandes mudanças na UFRGS é a forma de se lidar com os resíduos químicos. Há cerca de 30 anos, quando não havia tanta informação nem regramentos sobre o descarte de substâncias químicas, os resíduos usados nos laboratórios da universidade eram jogados normalmente na pia e iam parar no Arroio Dilúvio - como lembra o assessor de Gestão Ambiental da Reitoria, Darci Campani. Hoje a situação é bem diferente.
Os resíduos são recolhidos, separados por tipos, registrados e analisados. Alguns chegam a ser reaproveitados, após passarem por um processo de purificação.
- A maior parte é aquosa, e dentro há metais como tipo mercúrio, chumbo e tálio. Também são bastante tóxicos os cianetos e os solventes orgânicos - explica Eduardo Rolim de Oliveira, do Instituto de Química.
Mudanças na lei e na consciência levaram, há 10 anos, à criação do Centro de Gestão e Tratamento de Resíduos Químicos (CGTRQ), que recolhe 50 toneladas por ano, o equivalente a 200 quilos por dia.
O que dizem (e fazem) as instituições
Perguntamos a seis universidades do Estado como elas se adaptam à nova legislação. Confira:
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos)
Somos certificados pela ISO 14.001 desde 2004. Buscamos essa certificação para atestar nossa gestão ambiental dentro de regras internacionais. O desafio foi manter a equipe unida e motivada no projeto, primeiro no planejamento do sistema, depois, na implantação entre funcionários, professores e alunos. Hoje o desafio é manter a certificação. Os alunos nos demandam cada vez mais consciência ambiental. A universidade é um ótimo local para aplicarmos as rotinas de boa conduta ambiental, além do desenvolvimento de novas tecnologias que poderão minimizar os impactos ao meio ambiente. Para essas questões, temos cursos de pós-graduação focados no tema. (Luciana Gomes - Coordenadora de gestão ambiental)
Pontifícia Universidade Católica (PUCRS)
Em 2010, foram criados o Comitê de Gestão Ambiental da PUCRS e a Política Ambiental. Dentre as ações previstas está a consolidação do Projeto Campus Verde, com ações para o uso sustentável da água e energia, através da melhoria na manutenção das redes elétricas e hídricas, registro em tempo real setorizado e trabalho de capacitação de funcionários. Também queremos reduzir a geração de resíduos, efluentes e emissões, bem como fazer a destinação correta dos resíduos e a inclusão e discussão do tema sustentabilidade nas esferas da extensão, ensino e pesquisa. A coleta de remédios vencidos, o bicicletário e o Centro de Excelência em Pesquisa e Inovação sobre Petróleo, Recursos Minerais e Armazenamento de Carbono encorpam as ações no campus. (Rosane Souza da Silva - Coordenadora do comitê de gestão ambiental)
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
A universidade inseriu a questão em sua filosofia ao realizar a atualização do Plano de Desenvolvimento Institucional 2011/2015. A Comissão Ambiental de caráter multidisciplinar está voltada para os diversos aspectos da gestão ambiental, como o Acordo de Cooperação Técnica, firmado em 2011, entre a Delegacia da Receita Federal do Brasil em Santa Maria e o Colégio Politécnico, para a adoção de procedimentos para destinação ambientalmente adequada de resíduos da destruição ou inutilização de bebidas e perfumes. Há também uma Disciplina Complementar de Graduação (DCG) apropriada para a inserção de temas como esse. (Lúcia Madruga - Pró-reitora adjunta de planejamento)
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
O ideal é que (a nova legislação) fosse transversal, mas não vai acontecer se não tiver alguém que provoque. Por isso, as disciplinas específicas são tão importantes. As pessoas estão tendo boa aceitação do tema. Também estamos trabalhando na perspectiva de integração, e os resultados devem começar a aparecer a partir do semestre que vem. O nó está nessa questão de que os conteúdos são antigos e nem todo os professores estão preparados. Criamos eventos pontuais, estamos engajados em projetos, como a Agenda 3P, mas o grande desafio é incorporar o conteúdos de forma transversal, capacitar professores e usar linguagem e enfoque adequados para que o aluno veja sentido. (Luis Felipe Nascimento - Coordenador do Grupo de Pesquisa em Sustentabilidade e Inovação da escola de Administração )
Universidade Federal de Pelotas (UFPEL)
O primeiro desafio foi convencer a administração superior da importância do tema. A gestão ambiental começou em 2008. Entre as principais ações estão o programa de coleta de resíduos e a capacitação em educação ambiental. A coleta ocorre em 23 pontos, totalizando uma média anual de aproximadamente 1 milhão de litros de resíduos. Os alunos têm uma aceitação muito grande. Eles debatem nos corredores, cobram de seus professores para que tragam palestrantes na área e procuram orientação para trabalhos de conclusão de curso. No ano passado, pela primeira vez, fomos convidados pela administração superior a contribuir no planejamento estratégico institucional de 2012 a 2015. (Pablo Mendes - Coordenador de gestão ambiental)
Universidade de Caxias do Sul (UCS)
Com relação ao currículo, já temos as disciplinas de gestão ambiental em todas as engenheiras e arquitetura há praticamente 14 anos. Dentro da instituição, temos o sistema de gestão ambiental implantado, mas começamos com projetos menores, como a coleta de papel para comercialização e reversão do valor em livros para a biblioteca. Há o sistema de gerenciamento dos resíduos químicos, onde em todos os laboratórios são separados, acondicionados e destinados corretamente. São cerca de 14 toneladas de resíduos químicos por ano. Estamos com estação de tratamento de afluentes, desde 2009, e logística reversa com lâmpadas, pilhas e baterias. (Vania Schneider - Diretora do instituto de saneamento ambiental )