GERSON SCHMIDT*
A descoberta de escritos apócrifos, de um Evangelho segundo Judas, fez aflorar a discussão sobre a liberdade do indivíduo na escolha entre o bem e o mal. Dentro das circunstâncias da necessidade de haver uma trama contra Jesus, Judas passaria de traidor a herói da história salvífica, contraponto ao bem, enaltecendo e assegurando a missão do Salvador prometido.
Judas estaria predestinado a trair o Mestre e, portanto, não teria culpa e tão somente seria um figurante de um destino já de antemão roteirizado pelo grande "diretor e cineasta divino". Até porque nas Escrituras existe a profecia (Salmo 41,10) de que o amigo que põe a mão junto ao prato haveria de trair o Messias, cuspindo posteriormente no mesmo recipiente que se alimentou. Jesus repete esse salmo na última ceia, referindo a atitude de traição.
Em Atos dos Apóstolos, há um texto no qual se lê: "Ele foi entregue segundo o desígnio determinado e a presciência de Deus" (At 3,13). Judas seria, então, um mero executor passivo da vontade de Deus de ter seu filho morto para expiação dos pecados do ser humano? Não teria agido na total liberdade e seria o vilão que daria razão à vinda e à missão do Redentor? Judas não nasceu predestinado para trair Cristo. Deus não predestina ninguém ao mal. Não estamos fadados a pecar, teleguiados a uma predestinação pré-programada.
Você concorda que nossa vida está planejada, mas podemos alterar o roteiro pelo livre-arbítrio?
Judas pecou porque quis. Quando Judas o beijou no horto das Oliveiras, identificando-O aos guardas, Jesus chamou-o de amigo. E se Ele o chamou assim significa que o amava e tentava ainda na última hora converter o traidor. Não é o saber antecipado de Deus que determina a ação do homem, mas sim a sua livre vontade e arbítrio. Não é porque Deus conhece o futuro do pecador que impede a opção livre da pessoa que peca. Deus não faria qualquer homem, por pior que seja, como fantoche de um teatro, sem o envolvimento da liberdade individual. Judas não foi um ator de uma ficção de um filme do Criador no resgate da humanidade. Usou, sim, sua liberdade pessoal, embora instigado pelas lideranças religiosas da época, seduzido pelo dinheiro, cuja função de tesoureiro do grupo dos 12 lhe deixou mais frágil. Deus sabia, sabe e saberá por antecipação quando por liberdade própria alguém o quer deliberadamente negar, trair ou maldizer. É onisciente. E por isso, sabendo que Judas o trairia livremente, resolveu antecipar nas profecias o anúncio desta sua atitude livre. Iscariotes não agiu por coação do cumprimento das Escrituras. Deus que tudo vê, anunciou com antecedência o que Judas faria como intenção má e firmada em seu próprio coração, embora influenciado pelas circunstâncias externas. Por isso, não existe destino e predeterminação. Nossa vida está planejada por Deus, mas depende de nossa escolha livre e pessoal. Não somos robôs programados para o mal ou para o bem. Judas tem culpa, como também nós de nossos erros.
Afirmo sinceramente que o maior pecado de Judas não foi o da traição, pois Pedro esteve também nessa mesma situação de "apunhalar Jesus pelas costas", renegando-o por três vezes, antes do cantar do galo. Judas se perdeu porque achou que seu pecado não tinha perdão. É o pecado de desesperação de salvação, que é a desconfiança no amor de Deus, que a Escritura batiza de "pecado contra o Espírito Santo". Por isso, Judas não pediu e não acreditou no perdão. Se ele tivesse fé, o Salvador o teria perdoado. O erro principal de Judas e o nosso é não acreditar mais que há conserto, reparação, emenda do que fazemos.
A maior besteira de Judas foi seu desespero que lhe fez tirar a vida. Pior do que pecar é desconfiar da misericórdia de Deus. Digo mais. Creio que todos os apóstolos erraram, mas Judas levou a fama, único que se desesperou. Se os apóstolos estivessem unidos na paixão, não dispersos como ficaram, talvez Judas não tivesse se enforcado. Pior na vida é não ter mais esperança. É não mais acreditar que Deus me ama. Pior é o isolamento e a atitude de não comunhão com Deus e com todos. Por isso, que Páscoa é a festa da unidade, da comunhão de Deus com os homens e dos homens entre si, passagem do inferno para o céu, da morte (ontológica) para a vida da graça.
Tema para debate
Tema para debate: Judas, vilão da Semana Santa
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