Uma das melhores e mais emocionantes crônicas do exílio produzidas pelo cinema nacional - para o mestre do documentário João Moreira Salles trata-se da melhor -, Diário de uma Busca estreou em cartaz esta semana no CineBancários e no Cine Santander. O filme, que foi premiado em Gramado, no Rio, em Biarritz e em Punta del Este, está começando sua carreira no circuito brasileiro por Porto Alegre. A estreia em outras cidades será no dia 26.
Isso porque Diário conta uma história porto-alegrense - com abrangência e interesse internacionais. No filme, a diretora Flávia Castro investiga a misteriosa morte de seu pai, Celso Afonso Gay de Castro, ocorrida em 4 de outubro de 1984. Jornalista e militante de esquerda que viveu muitos anos fora do país fugindo dos militares, ele tinha 41 anos à época.
A versão inicial da polícia era de que Celso e seu parceiro Nestor Herédia (que também morreu no local) invadiram o apartamento do alemão e ex-cônsul do Paraguai Rudolf Goldbeck, localizado na Rua Santo Inácio, no Moinhos de Vento, para um assalto. Foram encurralados e, por isso, teriam se suicidado.
O caso, no entanto, nunca foi totalmente esclarecido. Flávia e alguns familiares, sobretudo o seu irmão João Paulo, o Joca, vão fundo na história em busca de respostas. Ouvem amigos de Celso, outros militantes, policiais, peritos e repórteres que investigaram o caso, além de vasculhar documentos e visitar locais onde ele morou no Chile, na Argentina, na Venezuela e na França. Só deparam com mais dúvidas.
- Muita gente pergunta se isso serviu como uma terapia para mim - diz a diretora, de passagem pela Capital para o lançamento do documentário. - Não. Não fiz Diário pensando nisso. Queria entender o que aconteceu, e compreender a própria trajetória do meu pai. Você não imagina meu sentimento de felicidade ao reconhecê-lo em tudo aquilo de bom que falavam sobre ele.
Flávia vive no Rio de Janeiro. Morou muito tempo em Paris e começou este projeto quando tinha quase a idade de seu pai - hoje ela tem 45 anos. Antes trabalhara com curtas e, agora, quer fazer um longa de ficção - sobre memórias da infância, igualmente uma coprodução entre Brasil e França.
Se não solucionou o mistério sobre o episódio da Santo Inácio, descobriu, por exemplo, que havia fortes indícios de que Goldbeck fora um oficial nazista. E que, conforme os vizinhos que chamaram a polícia, Celso e seu parceiro gritavam por documentos antes de morrer. Mais: os exames de balística, que segundo depoimento do jornalista Delmar Marques sumiram do processo, sugerem que pode não ter havido suicídio, e sim um duplo homicídio.
Celso vivia em Porto Alegre, trabalhando como assessor do vereador Valneri Antunes, desde 1982. Antes de morrer, revelava-se desiludido com a política e com a vida como um todo - a própria vinda ao Sul escancarava uma tentativa de ele se encontrar. O trecho em que a diretora lê uma carta-desabafo ao lado de seu amigo Luiz Pilla Vares (1940 - 2008) é dos mais comoventes nas mais de uma hora e 40 minutos de projeção. As sequências mais tristes são as dos depoimentos dos policiais, que não ousam contestar as versões oficiais, mesmo diante das dúvidas levantadas pela investigação da diretora.
O que as decepções de Celso têm a ver com sua atuação política, e como elas o levaram a um alemão com possíveis conexões com o nazismo, nada disso encontra respostas definitivas em Diário de uma Busca. O que não o diminui: o primeiro longa de Flávia Castro é um testemunho completo e comovente de toda uma trajetória de luta política marcada por uma trágica derrota final.
Premiado documentário investiga misteriosa morte de jornalista
"Diário de uma Busca" está em cartaz no CineBancários e no Cine Santander
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