Auxiliar técnico de Tite há duas décadas, Cleber Xavier se prepara para alçar voo solo. Em entrevista exclusiva à Rádio Gaúcha, o profissional de 60 anos contou o que lhe motivou a se lançar como treinador, relembrou as passagens pelas categorias de base da dupla Gre-Nal e falou sobre o próximo passo na carreira.
Ao todo, foram 24 anos de uma parceria vitoriosa, que se iniciou no Grêmio, em 2001, onde ambos conquistaram Gauchão e Copa do Brasil. Passaram também pelo Inter, quando ergueram a inédita taça da Copa Sul-Americana, em 2008. No Corinthians, ascenderam a um outro patamar, com os títulos dos Campeonatos Brasileiros de 2011 e 2015, além da Libertadores e Mundial de Clubes, em 2012. Por fim, comandaram a Seleção Brasileira nas duas últimas Copas do Mundo, em 2018 e 2022, na Rússia e Catar, respectivamente. Agora, com a saída precoce do Flamengo, anunciou o início de uma nova trajetória.
— Estou pronto e motivado — declarou.
Como se deu a decisão de encerrar a parceria com Tite e se lançar como treinador?
É uma parceria longa e de sucesso. Primeiro, pelas relações que a gente desenvolveu e manteve durante todos estes anos, pelas conquistas que foram muito importantes. Nos últimos 17 anos, trabalhamos em poucos lugares. No Inter, Corinthians, Seleção e, depois, Flamengo. Isso não é muito comum no futebol brasileiro. Foram projetos interessantes, e a gente resolveu permanecer juntos neles. Algumas propostas apareceram no meio do caminho, e eu já vinha amadurecendo a ideia de me tornar o treinador principal. O momento escolhido foi este.
Muitas vezes, você participava das entrevistas coletivas ao lado do Tite e respondia algumas perguntas. Portanto, o contato com o público e com os jornalistas você sempre manteve. Mas o que muda para você a partir deste novo movimento de carreira?
Primeiro, a ansiedade inicial. Pelo desligamento de uma parceria e depois de trabalhar e a cada dia, se preparar para quando aparecer a oportunidade. O (trabalho) interno é muito importante, com a definição do modelo de jogo, as tuas ideias, a tua metodologia e a gestão do teu grupo. Definir qual caminho se segue, se para uma grande equipe ou equipe média. É este mercado que eu busco dentro do Brasil: equipes das Séries A e B, que tenham uma gestão organizada. Então, espero receber convites para fazer este início. A relação externa para mim é mais tranquila. Eu sou um cara muito aberto nas minhas ideias. O Tite sempre abriu espaço para que eu me movesse neste sentido. Para mim, é fácil falar sobre o jogo, e é o que eu mais gosto.
Algumas propostas apareceram no meio do caminho, e eu já vinha amadurecendo a ideia de me tornar o treinador principal. O momento escolhido foi este.
CLEBER XAVIER
ex-auxiliar de Tite
Você já montou a sua própria equipe de trabalho? Quem vai ser o seu auxiliar técnico?
Neste início, estou com o Vinicius Marques, que trabalhou por 15 anos na base do Corinthians como treinador e auxiliar e foi meu parceiro na formação da CBF Academy. É um menino com muito conteúdo, oratória e recebi as melhores referências possíveis. Nestas duas ou três semanas que temos trabalhado intensamente, pude ver de perto o profissional que eu buscava. A princípio, minha ideia é começar com ele, mas também posso trazer um segundo auxiliar, um preparador físico, mais um analista de desempenho, que hoje são funções fundamentais dentro de um grupo de trabalho. E, pelo trabalho que tive na base do Inter e do Grêmio, tenho um bom olho para encontrar profissionais que podem me ajudar nesta função. Existem muitos valores dentro dos clubes, com uma competência enorme.
Já recebeu proposta de algum clube?
Eu sigo trabalhando com o Gilmar Veloz, que foi nosso empresário junto com o Tite. É ele quem está cuidando deste passo, mas até agora não me passou nenhum contato de clube, não.
Antes de ser auxiliar do Tite, você passou pelas categorias de base de Grêmio e Inter. Então, não teria problemas em trabalhar na dupla Gre-Nal?
Foram muitos anos nas categorias de base no Inter, de 1988 a 1995. Depois, na base do Grêmio, de 1996 até 2000, quando formamos a parceria com o Tite. Foram momentos muito legais que vivi. Tenho relações muito fortes dentro dos dois clubes, com profissionais de todas áreas e com dirigentes, sempre agindo de forma leal e correta. Não vejo nenhum problema e, como falei, estou aberto a todos os clubes. O futebol passa por algumas definições muito importantes nas Séries A e B, com brigas em cima e embaixo na tabela. Eu já passei por todas estas brigas e, não adianta, o foco deles está muito neste sentido. Mas estou aberto a clubes do mercado brasileiro e fora do país também. O Gilmar (Veloz) também está vendo algumas situações. Tivemos duas passagens pelos Emirados Árabes. Então, estou pronto e motivado. Primeiro é sentar e ouvir, apresentar minhas ideias e ouvir o que os clubes estão buscando.
Você e o Tite ficaram mais de seis anos à frente da Seleção Brasileira (de 2016 a 2022). Desde aquele trabalho vencedor no Corinthians até a passagem recente pelo Flamengo, qual a principal mudança que você notou neste retorno ao futebol brasileiro?
Da relação treinador-atleta, o entendimento do jogo, o cuidado do atleta com seu corpo, com seu desenvolvimento físico e mental. Nestes quase sete anos de Seleção Brasileira, a maioria dos atletas com que trabalhamos tem estes cuidados, trazendo alguns profissionais paralelos para se desenvolver. Dos treinadores, mudou muito o processo de organização de rotina de trabalho, de dia a dia dentro do clube. O atleta hoje pede e tem que receber a explicação, valoriza cada vez mais o conhecimento do treinador. O principal papel do treinador é desenvolver este atleta ao máximo para que ele atinja seu melhor nível. Por isso que falo que uma comissão técnica, ganhando mais profissionais ao lado, como a função específica do analista de desempenho, precisa organizar um processo de dia a dia mais profissional. Os clubes que estão se organizando assim estão colhendo.
E quais são as suas referências como treinador?
O futebol evoluiu muito. Minha referência inicial, quando comecei a carreira, era o Ênio Andrade. Depois dele, Telê Santana, Parreira e, antes de todos, Zagallo, que para mim é um dos maiores. Depois vem a sequência de grandes treinadores, como Felipão, Muricy (Ramalho), a parceria com o Tite, que é uma referência para mim, até chegar aos treinadores da nova geração. Hoje, temos no Rio Grande do Sul dois treinadores que são referência, como o Roger (Machado), que está voltando a ter um grande momento no Inter, e o Renato (Portaluppi), treinador importante e fundamental no Grêmio e com passagem muito boa no Flamengo. Vamos para os estrangeiros, que nas últimas gerações tem Guardiola e Klopp como os nomes mais fortes, junto com o Ancelotti. Traz para o mercado de treinadores estrangeiros no Brasil e os dois principais para mim são Abel (Ferreira) e Vojvoda, com a chegada do Arthur Jorge. Então, não é um, mas você pega um pouco de cada um e vai fazendo algumas adaptações para trazer ao futebol atual, que é muito físico, intenso e de competitividade.