Um grupo de jogadores profissionais procurou a Polícia Civil para relatar que teria, supostamente, sido vítima de estelionato praticado por dirigentes do Santo Ângelo, clube que atua na terceira divisão do futebol gaúcho.
Atraídos por anúncios nas redes sociais, que prometiam salários em dia, alojamento e alimentação, eles teriam sido obrigados a pagar uma taxa de profissionalização de R$ 3 mil. O valor seria usado para incluir o nome do atleta no BID da CBF, condição legal para atuar profissionalmente. O dinheiro seria enviado para a Federação Gaúcha de Futebol (FGF). Seus nomes, porém, nunca foram inscritos, situação confirmada pelo presidente do clube e pelo responsável pela empresa Strike, que administra o futebol da instituição.
O Grupo de Investigação da RBS teve acesso aos registros em delegacias da Polícia Civil e ao procedimento que o Sindicato dos Atletas Profissionais do RS encaminhou ao Ministério Público do Trabalho (MPT). Temendo boicote de outros clubes, os jogadores pediram para não serem identificados. Um dos atletas saiu da Região Sudeste do país e, após um dia viajando, chegou ao noroeste do Estado. Sem ninguém para recebê-lo, foi instruído a se deslocar até o Estádio da Zona Sul, onde fica o alojamento. Durante o período em que ficou na cidade, afirma que dormiu em lugar superlotado, sujo e com colchões rasgados. Também declarou à polícia que havia falta de chuveiros e de comida. Apesar de repassar o dinheiro para ter condição legal de jogo, nunca teve o seu nome inscrito na FGF e na CBF.
— Nos prometeram salário, refeição e alojamento. Nunca pagaram, a comida que nos davam era pão e água com um pouco de café. Teve jogador que passou mal em treino. E o lugar que moramos tinha barata, minhoca, era muito sujo — diz o jogador.
A mesma situação ocorreu com um atleta do Vale do Rio Pardo, que assinou contrato para receber R$ 1.320 mensais. Também pagou pela inscrição profissional e segue fora dos registros da federação. Apresentou na polícia um recibo do pagamento de R$ 3 mil, com a descrição: "Profissionalização". Seu caso foi ainda pior. Com a demora em ter o nome publicado, procurou os dirigentes e, segundo ele, houve uma discussão, e ele teria sido agredido, situação que deixou marcas no tórax e no braço.
— Eles me ameaçaram. E depois fui agredido. Fiz boletim de ocorrência. Era uma situação muito ruim. Jogadores foram ao Centro Social para ter uma alimentação decente — afirma.
Presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais do RS, Gabriel Schacht tomou conhecimento da situação e fez uma denúncia formal ao Ministério Público do Trabalho. Segundo ele, há um "claro descumprimento de diversas leis trabalhistas e de acordos coletivos".
— É inaceitável essa condição. Não existe profissional pagar para trabalhar. As condições de moradia eram insalubres, e os atletas foram enganados pelos dirigentes, que prometeram boas condições. Por isso, acionamos as autoridades.
A FGF isenta dos clubes o pagamento de até 25 inscrições de atletas profissionais. Depois disso, cobra R$ 700 para entidades de divisões menores, como a disputada pelo Santo Ângelo. O delegado Rafael dos Santos, da Polícia Civil, está investigando o caso e ouviu algumas das partes envolvidas. O MPT de Santo Ângelo também instaurou um procedimento para apurar as denúncias. O Santo Ângelo foi eliminado na primeira fase da Terceirona neste ano.
Contrapontos
O que diz o dono da empresa Strike, Tiago dos Santos Roberto:
Tiago confirmou que recolheu dinheiro dos atletas e que não o usou para pagar inscrições no BID. A verba, segundo ele, foi utilizada para adquirir beliches e colchões, comida e material esportivo. Ele também reconheceu que não havia salário para a maior parte dos atletas. Conforme o dirigente, "só recebe quem desempenha bem". E afirmou que todas essas situações "são comuns no futebol".
— Eles falam do alojamento, mas foram 60 jogadores que passaram por lá. Se é na tua casa, tu não limpa o que suja? Eles deveriam limpar a sujeira produzida por eles mesmos — declarou.
Sobre a suposta agressão sofrida por um atleta, o dirigente admitiu que houve uma briga:
— Muitos jogadores não eram profissionais. É assim que funciona, tem jogadores que recebem e outros não. Tenho uma lista de atletas que fizeram por merecer e cresceram. Mas também já estou saindo do clube, não quero mais nada.
O que disse o presidente do clube, Valmir Bastos:
Ele explicou que a empresa Strike terceirizou o futebol. Segundo ele, porém, o contrato não prevê pagamento dessa terceirização, diferentemente do que fazem outros clubes, cedendo o nome (e a filiação à FGF) em troca de valores para o investimento.
— A ideia era manter o clube ativo e ganhar algum dinheiro em futuras negociações de jogadores. Era para ser uma parceria de dois anos, que teria a categoria sub-20 em 2024. Mas não evoluiu e vamos encerrar antes — afirmou.
Ele admite que sabia que os atletas pagavam para jogar no clube e que o dinheiro era usado para despesas do futebol. Mas nega as suspeitas de maus-tratos e de precarização.
— Além disso, tivemos muitos atletas que não tiveram comportamento decente, bebiam, fumavam e alguns deles inventaram as situações, quebraram e sujaram para tirar fotos da concentração — disse.
Em sua visão, trata-se de uma manobra com cunho político-eleitoral por parte do delegado do Sindicato dos Atletas em Santo Ângelo.
— É que tenho um projeto tramitando entre Câmara de Vereadores e prefeitura para devolver o Estádio da Zona Sul ao poder público. Não tem porque o Santo Ângelo ter o local. Ele é da comunidade, deveria servir à população da cidade. Só que a oposição não quer que isso avance. Peguei esse clube falido, com estádio para leilão. Reformei o alojamento, devolvi o futebol. Fiz tudo pela SER Santo Ângelo — finalizou.
O que disse Carlos Roberto dos Santos, delegado do Sindicato dos Atletas:
O delegado de Santo Ângelo do Sindicato dos Atletas nega qualquer atrito político. Segundo Carlos Roberto dos Santos, o projeto de transformar o estádio em propriedade da prefeitura é bom para a comunidade, mas que precisa ser estudado em razão das dívidas do clube.
— Não tem nada a ver com política, tem a ver com o ser humano, com as condições dadas ao ser humano. Jogadores saindo de suas casas para realizar sonhos, chegam aqui e, infelizmente, estão sendo enganados. E sendo maltratados por essas pessoas que não têm dignidade na cidade nem crédito para pedir um pão. Imagina tocar um clube — afirmou.