Tem uma lenda popular linda e divertida, que data dos anos 1970 vinda de algum poeta. É mais ou menos assim: quando Ghiggia fez o gol do 2 a 1, na decisão da Copa do Mundo de 1950, o povo brasileiro, que já tinha fama de ser abençoado, pensou que Deus o havia abandonado. Descrente, pôs a culpa em tudo, do uniforme à mística. Foi especialmente cruel com Barbosa, verdade. Percebendo a tristeza do país e a injustiça com o goleiro, resolveu acabar com a dúvida, e com a dor. Deu a um menino que havia nascido 10 anos antes o maior talento possível.
Ele seria baixo o suficiente para não chamar a atenção como os gigantes. Mas compensaria com a impulsão a altura que não tinha. Seria destro de preferência, mas canhoto por habilidade e cabeceador por excelência. Seria dedicado para construir um biótipo forte, ágil e resistente. Seria inteligente para entender como ninguém o futebol. E seria negro para que representasse o povo mais sofrido da história da humanidade.
No futebol, Deus também se escreve com quatro letras: Pelé.
Lenda à parte, Deus permitiu que sua maior obra do futebol chegasse aos 80 anos nesta sexta-feira, 23 de outubro de 2020, ainda com alguns feitos inalcançados. É o único a ter vencido três vezes a maior competição de todas, a Copa do Mundo, responsável pela origem de tudo, aliás. Não é segredo que, na infância, Pelé prometeu a seu pai, Dondinho, que daria um título ao Brasil para superar a tristeza do Maracanazo. Seus 1.281 gols continuam sendo a maior marca da história.
É também o maior goleador da história da Seleção Brasileira.
A pandemia impediu que Pelé fizesse algo corriqueiro em sua vida. Receber amigos para celebrar a data e atender jornalistas. O Rei chega à oitava década com pensamentos claros, embora, óbvio, com limitações físicas. Nas últimas aparições, demonstrando dificuldades para caminhar, Pelé surgiu em cadeira de rodas. Problemas no quadril o impedem de fazer um deslocamento natural. No vídeo que disponibilizou para celebrar a data, ele está sentado e agradece ter saúde, fazendo uma brincadeira:
– Agradeço a Deus pela saúde de chegar aqui lúcido… não muito inteligente, mas lúcido.
O vídeo faz parte de uma ação de sua assessoria para atender aos jornalistas que pediram entrevista com o Rei. Desta vez, em razão da covid-19, seus funcionários receberam as perguntas. Foram mais de 200, de repórteres do mundo inteiro. No fim, optou-se por três questões mais genéricas.
– Chego aos 80 com saúde, com boa recepção em todo lugar que vou, sempre de portas abertas para mim – declarou.
Em seguida, adotou o tom mais melancólico, comum em pessoas que veem os anos passarem, ainda mais comum nesse período de isolamento:
– Espero que, quando chegar ao céu, Deus me receba da mesma maneira que todos me recebem hoje graças ao nosso querido futebol.
Pelé, que sempre foi sinônimo de saúde, de atleta, de inspiração, vê o tempo avançar. E reflete. Sobre a vida e sobre a morte. Pede desculpas pelas vezes em que brigou, ficou triste, aborrecido ou com raiva.
Os 80 anos dão a possibilidade para Pelé, mais uma vez, receber o carinho de seus milhões de admiradores. De rever o quanto é querido e idolatrado. E de quanto ainda pode receber em vida como retribuição para o que fez.
É uma parte do que se propõe este especial. Recuperar e revelar algumas histórias de Pelé, especialmente com os gaúchos. Dar voz a quem teve a sorte de chegar perto do gênio da bola.
Por fim, pedimos licença para dizer ao Rei que Deus, seu amigo, pode esperar mais antes de ter sua convivência mais próxima. Por enquanto, a conversa entre Eles deve continuar sendo em oração.
Títulos coletivos e individuais
- 3 vezes campeão da Copa do Mundo
- 2 vezes campeão do Mundial de Clubes
- 2 vezes campeão da Libertadores
- 6 vezes campeão brasileiro
- 10 vezes campeão paulista
- 1 vez campeão norte-americano
- Atleta do Século pelo jornal L'Equipe
- 7 vezes escolhido Bola de Ouro da France Football*
- *Após revisão
Jogos e gols
- Santos — 1116 jogos — 1091 gols
- Cosmos — 106 jogos — 64 gols
- Seleção — 114 jogos — 95 gols
- Outros* — 25 jogos — 31 gols
- Total — 1361 jogos — 1281
- *Partidas por seleção do exército, outras equipes e seleção paulista